Dez anos depois do Urso de Ouro, que conquistou por Tropa de Elite, José Padilha está de novo na seleção da Berlinale. Seu novo longa, 7 Dias em Entebbe (7 Days in Entebbe), passa na competição, mas fora de concurso.
– Adoro Berlim. E, pelo que parece, eles gostam de mim. Esse é o quarto filme que emplaco como diretor. Vamos exibir Entebbe no Palast, junto com os grandes filmes de estúdio, embora o nosso orçamento seja modesto. Vai ser no mínimo divertido – conta o diretor.
Com estreia mundial prevista para 16 de março, 7 Dias em Entebbe baseia-se numa história real. Terroristas da Frente Popular para a Libertação da Palestina e das Células Revolucionárias da Alemanha sequestraram um jato da Air France em 27 de junho de 1976, que ia de Tel-Aviv a Paris, e o fizeram pousar no aeroporto internacional de Entebbe, em Uganda, onde foram recebidos como heróis pelo governante local, o polêmico Idi Amin Dada. Os sequestradores exigiam a libertação de 53 terroristas presos e ameaçavam explodir o avião. Uma semana depois, em 4 de julho, em uma operação complexa, um comando israelense ocupou o aeroporto e resgatou os mais de 200 reféns.
A chamada Operação Entebbe virou paradigma de resgate, mas, nos últimos tempos, novas abordagens estão propondo outras leituras do que ocorreu. 7 Dias em Entebbe é uma coprodução anglo-americana e tem no elenco atores como Daniel Brühl e Rosamund Pike.
Série sobre Lava-Jato será exibida na Netflix
A década decorrida desde a premiação de Tropa de Elite com a maior recompensa do festival tem sido prodigiosa para Padilha, que virou um grande diretor internacional. O remake de RoboCop e a série sobre Pablo Escobar, Narcos, lhe deram extraordinária projeção, mas, de alguma forma, pode-se dizer que o cinema de Padilha talvez seja malvisto e compreendido. O Capitão Nascimento não foi construído como um herói, mas foi visto como tal. O mesmo pode ocorrer com o juiz Sérgio Moro na série que Padilha fez sobre a Lava-Jato para a Netflix, O Mecanismo, com estreia anunciada para 23 de março e Selton Mello como protagonista. Como ele trabalha com essas expectativas? O que o heroísmo representa para Padilha?
– Não diria que meus filmes são malvistos ou malcompreendidos. Ou pelo menos se são, não é por falta de entrevistas do diretor. Mas reconheço que sofro de um mal que gera incompreensão: não tenho ideologia. Não sou marxista e não sou liberal. Por isso não pauto o conteúdo ou a estética de meu trabalho de um jeito ou de outro. Em Ônibus 174, o personagem principal era um excluído. A esquerda adorou, a direita odiou. No Tropa, era o inimigo do excluído. A esquerda odiou, a direita adorou. Todavia, ambos os filmes tinham um mesmo propósito: apontar para a realidade social subjacente aos dois personagens, a realidade que produz tanto um quanto outro. Não me parece que este seja um conceito difícil de compreender. Pelo menos para quem pensa sem amarras ideológicas predeterminadas.
Na ficção e no documentário, a questão da segurança é sempre visceral para Padilha. No calor da hora, Entebbe deu origem a dois telefilmes, que chegaram rapidamente aos cinemas, realizados por Irvin Kershner, e Marvin Chomsky, com Elizabeth Taylor. Nesses mais de 40 anos, o terrorismo segue sendo um tema complexo e urgente. Por isso é importante voltar a Entebbe?
– A narrativa oficial foi apropriada pela parcela dos políticos de Israel que se opõe a negociar uma solução para a Palestina por definição. Essa apropriação simplificou os eventos e militarizou a narrativa. Ela faz parte, inclusive, da mitologia em torno de Benjamin Netanyahu e foi utilizada para viabilizar as suas políticas e a sua carreira. Além disso, novas pesquisas históricas, como as do professor inglês Saul David, sugerem novas interpretações para o ocorrido.
Houve gente que, na época do lançamento, chamou Tropa de Elite de fascista. O que significa para Padilha haver recebido o Urso de Ouro das mãos de Costa-Gavras, diretor que criou fama como autor de esquerda?
– O fato de Costa-Gavras ter compreendido e defendido o filme fez com que algumas pessoas o revisitassem. E ouso dizer que, na Europa pelo menos, Costa-Gavras levou alguns críticos a perceber que a aplicação de posições ideológicas à crítica, apesar de ser lugar-comum, nem sempre leva a uma compreensão correta da obra criticada.