Em 1984, ano que antecedeu o fim da ditadura militar no Brasil, Ivan Lins lançou a música Aos Nossos Filhos, conhecida na voz de Elis Regina. Um recado a uma geração que cresceu durante um dos períodos mais tristes da história do País. "Perdoem por tantos perigos/Perdoem a falta de abrigo/Perdoem a falta de amigos/Os dias eram assim", diz um dos trechos.
Não à toa, é essa canção que embala a abertura da supersérie Os Dias Eram Assim, que estreia nesta segunda, na Globo, às 22h20min, primeiro trabalho de Alessandra Poggi e Angela Chaves como titulares. A direção é de Carlos Araújo.
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O primeiro capítulo, disponível há seis dias no Globo Play, é perturbador – no melhor sentido do termo. Pega até mesmo o mais desatento dos telespectadores pelas mãos e o leva a um passeio por um ambiente hostil e perverso, onde a liberdade era controlada pelos donos do poder, e o machismo e o preconceito imperavam em alto e bom som.
Navegar contra essa corrente resultava em opressão, prisão, tortura e, em alguns casos, na morte. Parte disso foi exibido logo nos primeiros minutos da trama. E muito mais está por vir ao longo dos outros 87 capítulos.
Não se trata, no entanto, de um trabalho documental. As autoras apresentam o argumento como uma história de amor à la Romeu e Julieta, porém inserida em um contexto mais fiel à nossa realidade. Acompanha a trajetória de Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes), dois jovens que se apaixonam à primeira vista, mas têm o amor sabotado pelo conflito familiar.
"É uma época de nossa história que é muito rica. A gente queria contar uma história de antagonismo entre famílias, como se fosse um Romeu e Julieta. Pensamos em fazer uma história de amor de um casal que se apaixonasse à primeira vista, e que tivesse um antagonismo. E achamos interessante situar nessa época por ter famílias com pensamentos muito diferentes, intolerantes, cada um à sua maneira. E também por não ser um período muito retratado na televisão. A nossa ideia foi fazer dessa repressão como pano de fundo, mas a história não é só sobre isso. Esse é apenas o início dela – explicou Angela Chaves.
A história começa no dia 21 de junho de 1970, dia em que a seleção brasileira conquista o tricampeonato mundial. Alice, uma estudante de Letras à frente de seu tempo, está noiva do advogado Vitor (Daniel de Oliveira), braço direito de seu pai, Arnaldo Sampaio Pereira (Antonio Calloni), dono da construtora Amianto. Trata-se de um homem opressor, que enriqueceu graças à amizade que estabeleceu com os militares que estavam no poder.
Nessa data, ele recebeu em sua casa um grupo de generais para assistir à partida e celebrar a assinatura de um contrato superfaturado entre sua empresa e o governo.
Repreendida pelo pai por usar um vestido curto e batom vermelho na frente dos generais, Alice sai de casa para esfriar a cabeça e conhece, em um bar, o médico Renato. O encantamento é mútuo e os dois engatam, naquele local, um romance. Que terá dia, hora e motivo para acabar.
– O foco principal da história são os conflitos familiares, com um pano de fundo diferente – explica Alessandra Poggi. – O que move o vilão, embora sejam suas convicções, principalmente é o desejo de separar a filha daquele rapaz. Os conflitos acabam sendo muito pessoais. A sacada da trama é falar sobre o poder que algumas pessoas tinham para estar entre exceções dentro daquele universo e usar aquilo em favor pessoal.
Embora a história que irão contar seja um conflito familiar, as autoras deixam evidente suas opiniões sobre o período em que a trama é ambientada e não temem a rejeição da parcela do público que, nos dias de hoje, clama pelo retorno da intervenção militar.
– Talvez essas pessoas que peçam a volta da ditadura não tenham um conhecimento dessa época. Nesta história, a gente parte de um denominador comum, de que a democracia é o melhor para a sociedade. A gente quer a liberdade e vamos falar sobre a importância da liberdade – pondera Alessandra.
IMERSÃO
Desde 2015, quando iniciaram o argumento de Os Dias Eram Assim, as autoras revisitaram os anos 1970 e 1980, e tiveram o apoio do jornalista e filósofo Luiz Carlos Maciel, especialista no período, em suas pesquisas. Embora o que se verá na tela seja uma reprodução dos ambientes e dos costumes da época, a fala das personagens é bastante contemporânea.
– Preferimos não usar tantas gírias da época para não ficar uma fala muito marcada – explica Alessandra. – Como tem um público jovem que assiste às novelas, optamos por algo menos datado, para as pessoas não se estranharem com a fala e também para não soar como algo caricatural. Tinha uma fala da Alice, por exemplo, que ela dizia: "esse pessoal é muito quadrado".
O Luiz Carlos Maciel nos disse que, nessa época, ninguém falava isso. A gíria correta era "careta".
– Esses detalhes a gente procurou não errar, mas não foi uma grande preocupação retratar a linguagem da época – completa Angela.
QUEM É QUEM
Renato (Renato Góes) – Jovem médico, ético, idealista e apaixonado pelo trabalho. O amor por Alice (Sophie Charlotte) será mais forte do que a raiva que sente pelo pai dela, um homem que está perseguindo seu irmão, Gustavo (Gabriel Leone), e com quem já travou algumas discussões. Por culpa de Vitor (Daniel de Oliveira), precisa fugir para o Chile e acredita que Alice o esqueceu. Se envolve com a médica Rimena (Maria Casadevall) e tem com ela um filho. Nos anos 1980, de volta ao Brasil, reencontra seu grande amor.
Vera (Cássia Kis) – Viúva, dona da loja de discos e livros Egalité, é mãe de Renato (Renato Góes), Gustavo (Gabriel Leone) e Maria (Carla Salle). Muito religiosa, amarga o fato de ter perdido o marido no ano do Golpe de 1964, segundo ela, de tristeza. Se opõe ao namoro de Renato com Alice (Sophie Charlotte), por ela ser filha de quem é.
Maria (Carla Salle) – Irmã de Renato (Renato Góes) e Gustavo (Gabriel Leone). Terá de desistir do sonho de se formar em Psicologia para ajudar a mãe na administração da Egalité.
Gustavo (Gabriel Leone) – Irmão de Renato (Renato Góes) e Maria (Carla Salle). Idealista, envolve-se na resistência à ditadura, é preso e se torna um sujeito introspectivo. Vive um romance com Cátia (Bárbara Reis).
Rimena (Maria Casadevall) – Jovem médica, se envolve com Renato (Renato Góes) quando ele é obrigado a se mudar para o Chile. ê filha de Hernando (Alfredo Castro) e Laura (Cyria Coentro).
Alice (Sophie Charlotte) – Filha mais velha do empreiteiro Arnaldo (Antonio Calloni), é estudante de Letras, mas apaixonada por fotografia. Questionadora e libertária, é namorada do advogado Vitor (Daniel de Oliveira), mas se apaixonará por Renato (Renato Góes). Após uma armação de Vitor, decide seguir sua vida e se casa com ele, acreditando que Renato está morto.
Kiki (Natália do Vale) – Mãe de Alice (Sophie Charlotte) e Nanda (Letícia Braga/Julia Dalavia), casada com Arnaldo (Antonio Calloni). Acostumou-se à vida superficial e é moralista, conservadora e reacionária. Não dá força para os rompantes da filha mais velha, mas é acusada pelo marido de ser incompetente na educação da jovem.
Arnaldo (Antonio Calloni) – Pai de Alice (Sophie Charlotte) e Nanda (Letícia Braga/Julia Dalavia), é dono da construtora Amianto. Autoritário e opressor, considera Vitor (Daniel de Oliveira) seu maior aliado. Amigo do delegado Olavo (Marco Ricca), financia um grupamento especial que persegue opositores da ditadura.
Fernanda (Letícia Braga/Julia Dalavia) – Irmã de Alice (Sophie Charlotte), filha de Arnaldo (Antonio Calloni) e Kiki (Natália do Vale). ê a queridinha do pai. Espevitada, procura ficar sempre do lado dele e em prol da harmonia familiar. ê muito companheira de Alice. Nos anos 1980, se torna uma mulher sensual e moderna.
Vitor (Daniel de Oliveira) – Jovem advogado e principal parceiro de Arnaldo (Antonio Calloni) na construtora. ê possessivo e perdidamente apaixonado por Alice (Sophie Charlotte), com quem namora. Tem temperamento parecido com o do futuro sogro, mas disfarça para ter a simpatia da namorada. Idealiza a farsa que separa Alice de Renato (Renato Góes). Depois, forma uma família com Alice.
Cora (Susana Vieira) – Mãe de Vitor (Daniel de Oliveira), vem de uma tradicional família carioca, mas vive à custa do salário do filho. Esperta e articuladora, vê no casamento de Vitor e Alice (Sophie Charlotte) a chance de voltar a circular pela alta sociedade. Aposta o pouco que lhe resta em corridas de cavalo.
Toni (Marcos Palmeira) – Boa praça, é irmão de Arnaldo (Antonio Calloni), com quem mantém uma relação turbulenta. Tem três filhos com Monique (Letícia Spiller), por quem é perdidamente apaixonado. Divertido, alegre e tranquilo, ele enterrou o sonho de conhecer o mundo para se dedicar à família. Mas não percebeu que Monique manteve os seus sonhos bem vivos e está infeliz.
Monique (Letícia Spiller) – Aos 18 anos, foi Miss Arpoador e conquistou o coração do mais gato da praia: Toni (Marcos Palmeira). Com ele, teve três filhos. O nascimento da caçula a faz questionar os rumos que sua vida tomou. Vai largar a família para conhecer o mundo.