Depois de estrear em meados do ano passado nos EUA como uma curiosidade sombria em um canal conhecido principalmente por sujeitos bonitinhos de terno – o USA Network –, a série Mr. Robot foi aclamada pelo públicio. Inspirada por movimentos da vida real como Anonymous e Occupy, a história criada por Sam Esmail sobre programadores anarquistas em guerra com a cultura corporativa era a inversão hacktivista do clichê do Vale do Silício: os ativistas da "fsociety" de Mr. Robot procuravam transformar o mundo em um lugar melhor destruindo suas bases financeiras. No Brasil, a série vai ao ar nas quintas-feiras, às 23h20min, no Space.
A primeira temporada ganhou um Prêmio Peabody, entre outros, por incorporar preocupações atuais, como a perda de privacidade em meio à tirania dos smartphones e das mídias sociais. Às vezes, a atualidade se refletia mostrado na tela – e entre os eventos do mundo real que a série estranhamente, senão inadvertidamente, antecipou estão ataques corporativos embaraçosos (ao site Ashley Madison) e, mais tragicamente, a morte televisionada.
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Além de Esmail, o maior responsável pela possibilidade de Mr. Robot ter apenas uma temporada muito boa ou ser uma série com algum poder de permanência é o ator principal, Rami Malek Malek, que interpreta o personagem Elliot Alderson. O ator-revelação de 35 anos teve um desempenho ótimo como Elliot – um hacker talentoso, mas mentalmente instável, com ansiedade social e viciado em morfina – e é a cara do show em todos os aspectos concebíveis, desde cartazes até no ponto de vista.
O público assiste ao desenrolar da história em grande parte pela perspectiva mutável e pouco confiável de Elliot. Seu olhar atento vibra com intensidade em um momento e vulnerabilidade no outro; manifesta fisicamente os temas fraturados e ansiosos de Mr. Robot tão explicitamente quanto o grosseiro e amuado Tony Soprano em Os Sopranos ou o esperto, mas problemático Don Draper em Mad men.
Mas, ao contrário desses homens brancos e complicados, Malek, que como Esmail tem ascendência egípcia, representa uma era em que a televisão, através de programas como Orange is the new black, Fresh off the boat e Transparent, está finalmente começando a refletir a diversidade e o multiculturalismo que definem a vida americana. Em uma série com urgência moderna, ele é um galã urgentemente moderno, embora a frase o faça rir.
– Cinco ou 10 anos atrás, eu nem seria considerado para o papel principal de uma série. Até mesmo as audições eram tipo: "De jeito nenhum. Em última análise, eles vão querer alguém com uma aparência mais convencional, alguém que fosse mais aceito pela sociedade" – contou Malek.
A segunda temporada de Mr. Robot traz duas pressões usuais: será que vai conseguir manter a promessa da estreia? Os elogios irão se traduzir em uma audiência maior? Além disso, há o desafio singular de narrativa, que surge da grande reviravolta do final do ano passado.
Nova temporada é o começo de segundo ato
Mr. Robot, interpretado por Christian Slater, acaba sendo uma alucinação baseada no falecido pai de Elliot, que era dono de uma loja de informática – o que não é muito original, e a série mostra sua dívida com antecessores, como Clube da Luta – , mas o que vem a seguir é que Mr. Robot retorna como personagem do núcleo na segunda temporada, um coadjuvante insistente, às vezes antagônico, que não deixa de ser proeminente apesar de seu status imaginário.
Ela começa não muito tempo depois do grande hack do fim da primeira temporada, que acaba com todas as dívidas e joga o mundo em uma pirueta financeira. Explora as consequências e preenche algumas lacunas da última –, mas, por exemplo, ainda não sabemos como o ataque cibernético na verdade foi tratado – ao dedicar um foco maior a personagens como a amiga de Elliot, Angela (Portia Doubleday), e sua irmã e também hacker Darlene (Carly Chaikin).
– Sem dúvida, há respostas para as perguntas da primeira temporada, mas ao mesmo tempo, perguntas diferentes vão surgir – disse Carly.
O público pode esperar efeitos visuais mais sombrios, que mostram a contínua desintegração mental de Elliot, disse Esmail. Em uma jogada rara para a televisão, ele dirige todos os episódios, usando um cronograma de filmagem mais comum no cinema – todas as cenas em um determinado local são filmadas de uma vez, independentemente do episódio em que aparecem.
Esmail vê os novos episódios como o início do segundo ato de uma história que ele espera que dure quatro ou cinco temporadas.
– A revelação de Mr. Robot não foi o fim; foi um plano de ação. A verdadeira história da série é a jornada de Elliot para resolver uma crise de identidade convulsiva e entender a si mesmo. A ideia é como ele vai reconciliar essa relação com Mr. Robot é o título, mas também é o conflito central de toda a série – disse Esmail.
Esmail nunca havia trabalhado na televisão antes de Mr. Robot, que começou como um roteiro de filme antes que ele decidisse que a narrativa complexa poderia funcionar melhor em uma série. Mas depois das audições com vários "grandes atores" para o papel de Elliot, Esmail começou a se perguntar se o que havia escrito era muito cáustico para ser assistido.
– Eu pensei que o problema era o material e que teria que começar tudo de novo. Parecia que esse cara clamava por nós – disse ele.
Tudo mudou quando Malek emprestou calor e vulnerabilidade ao escárnio do Elliot, sugerindo uma fragilidade emocional; essa é, de fato, a base do programa.
– Eu não sabia que era isso que queria até que Rami me mostrou – disse Esmail.
Malek não sabia nada sobre a cultura hacker antes de Mr. Robot e permanece cético sobre o que considera a falsidade das redes sociais - uma vez postou fotos de si mesmo e outros atores em sua conta do Instagram, mas acabou apagando. Sua conta continua vazia.
O cinema e a televisão tendem a retratar a atividade de hackers ao acaso, na melhor das hipóteses, e é motivo de orgulho para Esmail que todos os códigos que aparecem em Mr. Robot estejam pelo menos ligados à linguagem de programação legítima. Malek parou de perguntar o que tudo significava algum tempo atrás.
De volta ao Brooklyn, ele passou a cena mais uma vez, fora da câmara os conselheiros técnicos sussurravam orientações ("digita, digita, mousepad, clique, clique, clique, volta...") enquanto ele usava o laptop recuperado. Ao mesmo tempo, interagiu com outra atriz e também mostrou a contínua narração interna de Elliot, que um assistente de roteiro lê para ele através de um fone de ouvido sem fio durante as filmagens. Mais tarde, vai gravar a voz do narrador e filmar os close-ups da programação ao mesmo tempo em que recebe instruções do código, linha por linha.
– Existem shows mais fáceis na TV, mas esses são os personagens que, como ator, você sonha em representar – reconheceu Malek ao acompanhar um visitante até a saída do estúdio. – Não acho que me acostumei – disse ele sobre ser um novo astro de sucesso, "mas estou começando a perceber que tem algo especial rolando aqui, sim".