— O Venezianos completou 24 anos neste ano e não vai ser no ano do veado que a gente vai sair derrotada desta briga — diz Alessandra Mendonça, sócia-proprietária do Venezianos Pub Café, ponto adotado pela comunidade LGBT+ de Porto Alegre e que foi duramente afetado pela enchente, com diversos prejuízos materiais, apesar de ainda não haver um cálculo preciso.
O tradicional espaço, que fica na Rua Joaquim Nabuco, 397, na Cidade Baixa, viu o seu primeiro andar ficar debaixo d'água em maio e, por estar instalado em um casarão antigo, os estragos foram mais delicados e demandam mais do que apenas limpeza. O isolamento acústico, por exemplo, feito em camadas e adequado para o imóvel, que é patrimônio histórico da cidade, sofreu graves danos e precisará passar por um delicado processo de reconstrução.
— Nós não poderíamos só lavar, pintar as paredes e voltar, apesar de ser mais fácil para nós. Mas nós temos um histórico de boa relação com a vizinhança, uma construção feita em 24 anos. Então, não vamos destruir isso junto com as paredes, porque perdemos todo o isolamento acústico. Só vamos voltar depois de colocar um novo isolamento acústico. Antes disso acontecer, nós não voltamos com dignidade — explica Alessandra, que aluga o imóvel juntamente com a sócia, Clarice Decker.
Por enquanto, o Venezianos, pelo menos em sua fachada, está ganhando uma nova vida, com um azul inspirado na casa de Frida Kahlo. Porém, para a reabertura do espaço, ainda falta. O prazo máximo é o começo de julho, devido ao trabalho que deve ser feito no local, inclusive, com o madeiramento. O pub já tem histórico de passar por alagamentos, mas, em maio, foi a primeira inundação, destaca a proprietária do estabelecimento.
— E estamos parados, pagando todas as despesas de uma casa aberta, com exceção dos boletos de mercadoria, porque, até agora, não vendemos uma Coca-Cola sequer. Os nossos clientes que estão nos sustentando, não só financeiramente, mas nos dando força para fazermos deste desânimo, deste desastre todo, uma fonte de combustível para que voltemos ainda mais fortes — destaca a empresária.
Para auxiliar os artistas que tinham no Venê o seu palco e que tiravam do local uma parte significativa de seu sustento, outras casas noturnas, como o Ocidente, estão abrindo as suas portas para as apresentações. É um jeito de minimizar os danos, pelo menos, dos representantes da cultura neste momento.
Retornos
Enquanto o Venezianos segue no processo de limpeza e reforma, outros espaços culturais da Cidade Baixa já conseguiram reabrir as suas portas. É o caso do Matita Perê, que fica na Rua João Alfredo, 626. Por lá, a água chegou a um metro e gerou um grande prejuízo, com piso de madeira empenado, portas e seis freezers estragados, entre outros bens, além de todo o estoque de produtos comestíveis preparados para o final de semana — somente em alimentos, a perda gira em torno de R$ 30 mil.
Para minimizar o prejuízo, os sócios do estabelecimento se reuniram com amigos e parentes, que se mobilizaram para reerguer o comércio. Desta forma, foi possível reabrir as portas ainda em 24 de maio, mesmo com alguns pontos ainda funcionando de forma improvisada e com consertos pendentes, o que vai sendo ajustado com o tempo.
— A gente colocou o Matita o mais rápido possível para funcionar porque é uma necessidade de sobrevivência de todo mundo, do bar, dos colaboradores, de todo mundo. Tivemos um prejuízo de R$ 150 mil, sem contabilizar o período de 22 dias que ficamos sem faturamento. Então, este valor é bem maior — detalha o proprietário da casa, Filipe Stella.
Com 17 colaboradores atuando em uma noite normal, o espaço, que completou 15 anos em 12 de maio — ou seja, debaixo d'água —, já havia sido muito abalado durante a pandemia e tal qual outros estabelecimentos do ramo, ainda estava em recuperação econômica. Desta forma, o dinheiro que poderia ser investido para ampliação e melhorias do espaço, agora, será destinado para recuperar o que foi perdido.
— Estamos pagando pelo prejuízo de um erro estratégico dos administradores da cidade, que não levaram a sério a questão climática. Espero que, depois deste evento, eles passem a levar a sério. Por que é impossível uma pessoa vivenciar isso que a gente vivenciou e continuar negando. Isso gera prejuízos para todo mundo e a gente acaba pagando parte dessa conta — salienta Stella.
Em atividade desde 2006, o Espaço Cultural 512 ficou quase duas semanas com um metro e meio de água dentro de suas dependências, atingindo equipamentos de som, mobiliário, obras de arte, utensílios de cozinha, entre outros itens essenciais para o funcionamento da casa. Por conta disso, foram 35 dias com as portas fechadas, acumulando prejuízo. O espaço voltou a operar em 7 de junho.
— Isso acaba afetando muito não somente a nós, mas toda a cadeia da cultura, entre músicos, artistas, colaboradores e fornecedores. Todos acabam perdendo junto. Então, para além da questão econômica, a gente acaba sendo atingido psicologicamente, porque ficamos apreensivos em seguir investindo em um local que já é conhecido por alagamentos frequentes e com problemas de escoamento das águas pluviais — conta Guilherme Carlin, sócio-proprietário do 512, ao lado de Rafael Corte.
No local, que fica na Rua João Alfredo, 512, o prejuízo ficou na casa de R$ 300 mil. O espaço, em uma noite normal de atividades, conta com 12 colaboradores — um deles, porém, teve de ser dispensado após a enchente. Neste primeiro momento, houve uma redução de operação em um dia da semana, funcionando de sexta-feira a domingo — antes, era a partir de quinta.
A ideia é voltar ao normal em julho. Porém, ainda é preciso fazer algumas reformas, como no telhado, além de pinturas. O estabelecimento funciona em três imóveis alugados e um próprio. Todo o esforço para retomar a operação, entretanto, depende do retorno do público, segundo Carlin:
— A gente trabalha hoje com dois cenários. O primeiro é o da retomada rápida e coletiva, muito pautada pela solidariedade, por essas memórias afetivas que nos aproximam dos nossos amigos, do nosso público. O outro cenário é o que nos preocupa, que é de uma crise, de uma restrição econômica que vai surgir ao longo do tempo. A gente vai sentir um impacto.