O renomado fotógrafo Sebastião Salgado, que completou 80 anos em fevereiro, decidiu se aposentar. A informação foi divulgada por ele durante entrevista ao jornal britânico The Guardian, publicada neste mês. Salgado é conhecido pelas composições em preto e branco e por ter acompanhado, por meio das imagens, guerras, revoluções, golpes de Estado e crises humanitárias.
— Eu sei que não viverei muito mais tempo. Mas não quero viver muito mais. Já vivi tanto e vi tantas coisas — afirmou ao jornal.
Embora ainda ativo, o corpo sente os impactos de quem trabalhou em alguns dos lugares mais hostis do planeta: Salgado convive com uma doença sanguínea devido à malária que contraiu na Indonésia e tem problemas na coluna causados pela explosão de uma mina terrestre que atingiu seu veículo em 1974, durante a guerra de independência do Moçambique.
Ainda que distante das lentes, ele não parou por completo. Como conta o The Guardian, o fotógrafo agora se tornou editor de seu próprio arquivo — para se ter uma ideia, há 15 anos, a coleção tinha 500 mil obras. Uma nova contagem está em andamento.
Entre os trabalhos que virão, está previsto um projeto no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, reunindo algumas das primeiras fotos de Salgado. E a partir de abril, ocorre a exposição do Sony World Photography Awards, na Somerset House, em Londres. A mostra comemora um prêmio que Salgado recebeu recentemente, o Outstanding Contribution to Photography (Contribuição Notável para a Fotografia). Também haverá uma parceria com o Museu Wende, em Los Angeles.
Ainda em relação ao Brasil, Salgado está preparando uma iniciativa especial para a COP30, que será realizada no próximo ano em Belém.
— Vamos abrir uma exposição com 255 fotos gigantes do meu projeto Amazônia e uma apresentação com composições do (Heitor) Villa-Lobos — revelou.
A trajetória
Sebastião Salgado nasceu em Minas Gerais, mesmo Estado onde conheceu Lélia Wanick Salgado, quando ela tinha 17 e ele, 19. Os dois estão juntos há 60 anos. Ela se formou em Arquitetura e ele, em Economia.
Os dois integravam um grupo revolucionário de esquerda e, conforme aumentava a perseguição política durante a ditadura militar, decidiram deixar o país para exilarem-se em Paris.
Em terras francesas, Salgado descobriu o talento para a fotografia quando pegou emprestada uma câmera fotográfica de Lélia. Sua ascensão foi meteórica em Paris, onde passou por diferentes agências e conseguiu deixar sua marca.
Mais tarde, Lélia se tornou diretora da galeria Magnum, em Paris, antes de abrir um estúdio independente, que pouco a pouco passou a ser dedicado à produção de Salgado. O trabalho de Lélia é, aliás, reconhecido como chave para o sucesso do marido.
— Não sei dizer onde termino e onde começa Lélia — afirmou Salgado, durante a entrevista.
O início da carreira do fotógrafo foi marcado por críticas de colegas, que o acusavam de explorar e estetizar a miséria.
— Eu não nasci aqui (na Europa). Eu vim do terceiro mundo. Quando nasci, o Brasil era um país em desenvolvimento. As fotos que tirei, tirei a partir do meu lado, do meu mundo, de onde venho — destacou.
Na época, as críticas o abalaram e ele chegou a se distanciar do mundo da fotografia. Foi quando nasceu o Instituto Terra, criado pelo casal como uma organização não governamental que atua como centro de recuperação ambiental. A conexão com a natureza que fez Salgado relembrar a paixão pelas lentes. Um dos trabalhos — Amazônia (2021) — mostra isso.
Ele, que se descreve como pessimista em relação à humanidade, lamenta a falta de capacidade de autoridades globais ignorarem problemas como a escassez de água e a perda de biodiversidade.
— Sou pessimista em relação à humanidade, mas otimista em relação ao planeta. O planeta se recuperará. Está se tornando cada vez mais fácil para o planeta nos eliminar — completou.