"A poesia contamina, Slam das Minas", foi o grito de guerra entoado por participantes e concorrentes do evento, antes de cada apresentação. Assim, a Praça da Matriz foi tomada por poesia na noite deste sábado (3).
Em frente ao Theatro São Pedro, um time de peso de slammers declamava os seus versos cheios de críticas sociais, denunciando a violência contra as mulheres, o racismo. Um movimento com a intenção de enaltecer a cultura e projetar um futuro melhor, em comemoração aos seis anos do coletivo Slam das Minas.
Como resposta, gritos emocionados vinham da plateia, sentada aos pés do Monumento a Júlio de Castilhos — coincidentemente iluminado para a Noite dos Museus - Monumentos —, sob o céu nublado de Porto Alegre, incentivando as gurias.
Não faltou incentivo para as cinco concorrentes, que levaram poemas originais para serem declamados ao vivo — e todas preferiram usar apenas as suas vozes, ignorando o microfone e a caixa de som. As participantes afiadas e o público animado, como se fossem velhos conhecidos, contrastam com a história do slam, que é bem recente: chegou ao Rio Grande do Sul juntamente com o Slam das Minas, um dos coletivos pioneiros no Estado.
Tiatã, uma das organizadoras do coletivo, relembra que quando a modalidade chegou em solo gaúcho, em 2016, estourou de popularidade, mas, depois da pandemia, houve uma queda. Atualmente, o slam feminino está em um processo de "reconstrução", buscando cada vez mais fortalecer a poesia no Estado. Cerca de 40 pessoas participaram do evento deste sábado.
— Esse é um espaço acolhedor, de escuta, abrindo espaço para apenas as mulheres competirem. Então, para a gente, isso é de uma importância enorme e esses seis anos estão sendo muito comemorados neste sentido — destaca.
Para Crua, também uma das organizadoras, o Slam das Minas também é um espaço de fortalecimento da arte feminina, uma vez que as poesias escritas das mulheres sempre foram apagadas.
— E, também, é um movimento que tira a poesia apenas da academia, que diz que só é poeta quem escreve livros. Tira a poesia desse espaço burguês e elitista, abrangendo outras realidades — aponta.
Verte, que também é uma das responsáveis pelo Slam das Minas, ainda reforça que insistir em um movimento como este no Rio Grande do Sul é ainda mais significativo, pelo histórico racista do Estado e, com os poemas declamados pelas gurias, ela espera que a branquitude gaúcha seja colocada em xeque.
— Várias pessoas podem ser poetas, mesmo não sabendo escrever superbem, na ortografia correta. Muita gente já constrói essa poesia sem nem mesmo escrever, constrói falando e recitando. Muitas vezes, nem passa pelo processo da escrita. Esse, então, é um espaço com todos os tipos de pessoas, de todas as classe sociais — afirma Verte.
Vitória
A vencedora do encontro comemorativo do Slam das Minas foi Mika, que recebeu uma tatuagem no valor de R$ 200, além de conquistar uma vaga para a final, que ocorre em 2023, valendo espaço para concorrer no torneio estadual. Ela foi a preferida do trio de juradas.
A slammer vitoriosa, que empolgou a plateia, havia parado em 2018, após denunciar, em uma batalha de rimas, o seu concorrente, que havia agredido uma amiga sua. Como ela e o seu oponente viviam no mesmo bairro — e ele era tido como um herói pelo moradores —, a comunidade ficou contra Mika, fazendo com que ela desistisse das atividades. Porém, em 2022, ela está retornando. E já com vitória.
— O Slam das Minas foi criado porque a gente, muitas vezes, não se sentia abraçada em ambiente que era para todo mundo se sentir acolhido. Então, a gente teve que criar o nosso próprio ambiente, lutar pelo nosso espaço — reforça a vencedora da disputa deste sábado, destacando que as competições dominadas por homens são "bem nojentas", por conta da misoginia. — E a plateia dos nossos encontros sempre é formada por mulheres e pessoas trans. Poucos homens aparecem.
De fato, no Slam das Minas, o público era majoritariamente feminino. Para a ativista feminista Leina Peres, que estava na plateia, o movimento das mulheres poetas, que denuncia a violência sexual, é necessário, principalmente pelo momento do país, em que o Estatuto do Nascituro está para ser votado:
— É superimportante a manifestação dessas mulheres jovens, que trazem os saberes delas. São mensagens fortes, de protesto. O Brasil é violento com as mulheres e com as meninas negras, principalmente. E a gente não pode permitir. Isso que essas meninas fazem aqui é muito importante para a gente escutar quem está sofrendo essas violências e o que mais o Estado tem feito com a gente.
A aposentada Fátima Souza, que observava atenciosamente as jovens declamando os seus poemas, acredita que tal iniciativa vai ao encontro de uma tentativa de reconstrução do país, depois de quatro anos que, segundo ela, foram de "desgoverno" e de "destruição de muitas conquistas":
— É a primeira vez que eu venho no Slam das Minas, mas acho muito importante todo o trabalho em que as mulheres tenham voz ativa e, principalmente, na rua. E essa questão das poetas, das pessoas negras, na rua, tendo o seu papel protagonista, é fundamental.
Além da comemoração de aniversário do Slam das Minas, a noite também contou com a Batalha das Monstras, em que as participantes se enfrentaram, disparando rimas, em uma seletiva para a Batalha da Usina do Beat — as duas vencedoras vão compor o time que vai para o confronto no próximo dia 10. O primeiro lugar ainda levou um procedimento com uma body piercer.