Divididos em dois times, os jogadores mal piscam, de tão concentrados que estão na busca pela vitória. A vibração da torcida parece com a de um gol em uma final de Copa do Mundo. A plateia, acomodada em poltronas, assiste a cada detalhe do round em uma tela literalmente de cinema. E quem não pode estar fisicamente no local pode acompanhar tudo por uma transmissão online, em tempo real, com direito a narrador e comentaristas. Um grande evento.
É assim a experiência em um final de semana na arena gamer que foi instalada recentemente no terceiro piso do Lindóia Shopping (Av. Assis Brasil, 3.522, bairro Jardim Lindoia), na zona norte de Porto Alegre. Este, que é o terceiro espaço da MP3 Arena em grandes empreendimentos comerciais da Capital — os outros dois ficam no Praia de Belas e no Iguatemi —, foi inaugurado há um mês e já está modificando a forma como os gamers da cidade disputam campeonatos de esportes eletrônicos, os eSports.
Este espaço em específico ocupa uma sala de cinema, que foi totalmente reformada. Em frente ao telão de 40 metros de largura por 5 metros de altura, existem duas bancadas, cada uma com cinco computadores, em que os dois times se sentam para se enfrentar. Os jogadores ficam de frente para 160 poltronas, que acomodam o público que está ali para ver as disputas. O local, recheado de luzes de LED coloridas e som imersivo, consegue mesclar o espaço clássico, que antigamente tinha como objetivo exibir filmes, com o visual tecnológico do mundo dos eSports.
A MP3 Arena é um projeto dos irmãos Edison e Felipe Gonçalves, que são gamers e participaram de competições nacionais no começo dos anos 2000, quando jogos eletrônicos não tinham a popularidade de hoje, com times profissionais, tal como o futebol — e, assim como no mundo dos boleiros, existe muito dinheiro envolvido no processo. Segundo um estudo da consultoria Newzoo, publicado pela Forbes, a indústria global de games movimentou US$ 175,8 bilhões em 2021.
O projeto
A ideia de instalar o espaço em Porto Alegre surgiu de uma viagem de Edison para Las Vegas, em 2019. Lá, ele viu um hotel adesivado, mostrando uma arena gamer. O jogador de décadas atrás, então, falou mais alto e na hora ligou para Felipe para replicarem o negócio na Capital, onde ambos já eram donos de lojas da MP3 Informática. E assim foi feito. No final daquele mesmo ano, a primeira arena, no Praia de Belas, já estava montada. Depois, veio a do Iguatemi.
Mas em sala de cinema a única é a do Lindóia. A oportunidade do projeto surgiu em dezembro do ano passado. A inauguração ocorreu no final de maio último, e o investimento girou em torno de R$ 3,5 milhões, turbinados com o apoio de grandes marcas do mercado. O espaço de 700 m² busca ofertar uma experiência completa para os usuários. Além da arena, o local ainda conta com uma loja MP3 Informática, espaço de alimentação, banheiros próprios, espaço de coworking e uma entrada independente do shopping, que possibilita que a estrutura funcione em horários que vão além dos do shopping.
— A gente é 360 para o cliente. Ele vem e não precisa sair daqui para nada. Atendemos em todos os quesitos. E para assistir às partidas o público não paga nada — detalha Felipe.
Os irmãos reforçam que a arena pode ser utilizada para eventos variados durante a semana, desde aniversários geek até convenções de empresas. O espaço, nestes casos, é fechado, e toda a estrutura fica à disposição dos contratantes. Quando não há demandas, o público em geral pode ir até lá e ter a experiência de jogar em um ambiente profissional por R$ 9,90 por hora. Nos finais de semana, porém, o local é destinado aos campeonatos — quando a reportagem esteve por lá, ocorria uma qualificatória do torneio de Counter-Strike: Global Offensive, o famoso CS:GO. E este é apenas um dos diversos jogos online que têm espaço na arena, como Fifa, League of Legends, Valorant e Rocket League.
— A gente quer que todo mundo tenha espaço para experimentar — enfatiza Felipe.
Os campeonatos dentro da MP3 Arena são locais e não classificam para níveis nacionais ou mundiais. O diferencial dos irmãos é a inclusão, com um amador podendo utilizar o espaço e jogar em um formato de arena, com toda a estrutura que um profissional utiliza. Para participar dos torneios, basta se inscrever — os valores variam de R$ 50 a R$ 80 por jogador do time. O prêmio para o grande vencedor do torneio de CS: GO, por exemplo, foi de R$ 10 mil. E, ao contrário das demais competições, não é necessário passar por diversas qualificatórias para chegar no presencial. Já começa no primeiro dia.
— Aqui, o amador tem uma transmissão na Twitch e tudo mais. Ele se sente um profissional. Tem vários times que vêm competir, sabendo que não vão ganhar. Eles jogam para se divertir. A experiência vale muito. Quando o cara senta na bancada, sente um friozinho na barriga. Ele está com uma câmera nele, as pessoas estão vendo a reação dele. É muito legal. E, além de tudo, a gente está proporcionando encontros — ressalta Edison.
Ontem e hoje
De 2002 a 2011, William Konrath, o Itto, de Novo Hamburgo, foi jogador de uma antiga versão do CS, o 1.6. O time dele chegou a ser o segundo melhor do Brasil. Porém, há uma década, os eSports não eram vistos como hoje. E, sem ter apoio para seguir na área, a pressão para que ele fosse trabalhar e cursasse uma faculdade fez com que deixasse a sua trajetória vencedora para trás e se focasse em ter uma vida mais "convencional". Por isso, cursou Administração e hoje atua na área.
Porém, há dois anos, ele buscou comprar um computador novo e voltou a jogar o CS — desta vez, o GO. Mesmo que não acredite que vá se profissionalizar na área, voltou a participar de campeonatos, "mais para brincar", e passou a frequentar a MP3 Arena para resgatar a experiência do passado, quando ia a outros Estados para disputar as finais dos campeonatos. Na época, uma arena gamer em Porto Alegre era inimaginável.
— A arena gera muitas oportunidades para os jogadores. Na época em que o nosso time ficou no top 2 do Brasil, a gente não tinha nenhuma infraestrutura aqui. Se tivesse uma arena como esta, e nós tivéssemos apoio como tem hoje, talvez tivéssemos a visão de ter continuado. Mas, realmente, o pessoal não investia aqui no Sul. A gente pensa "se tivesse continuado, estaríamos bem hoje", mas, enfim, escolhas da vida — explica Itto, que está com 32 anos.
Já Diogo de Oliveira Nunes, 15 anos, está em ascensão. É uma das promessas aqui do Estado, segundo os irmãos Gonçalves. O jovem, que participa dos campeonatos da MP3 Arena, sempre se destaca. No CS: GO, começou a focar em se transformar em profissional em 2019 e, por boa parte de sua trajetória como gamer, passou confinado em casa — inclusive, por causa da pandemia. Agora, está tendo uma experiência ainda mais intensa que a vivida pelo seu pai, Rodrigo Nunes, quando jogava o 1.6.
— É muito legal porque o meu pai jogava e dizia que na lan house era legal, era uma adrenalina, uma experiência nova. E quando eu joguei pela primeira vez lá na arena do Praia (de Belas), eu falei: "Eu quero jogar mais". Aí fizeram essa aqui e estou vindo em todos os campeonatos. Aqui, tu faz um baita round e tem uma gurizada te olhando e gritando "vamo" — diz Diogo.
Ele destaca que o seu pai sempre o apoiou na decisão de se tornar jogador de CS e, em 2017, ganhou o seu computador que rodava o jogo. Mesmo com a experiência em casa proporcionando desenvolver mais as suas habilidades, é na arena que ele conhece novas pessoas fisicamente:
— Está sendo uma baita experiência.