Por Max Cirne
Doutorando em Comunicação Social na Unisinos
Estamos cada vez mais nostálgicos? Ou esse sentimento tem sido estimulado pelos novos filmes e novas séries? Independentemente do que veio primeiro, a sedução pela nostalgia se tornou uma prática recorrente da cultura pop. Podemos dizer que o fenômeno explodiu com Stranger Things, seriado que presta homenagem ao universo nerd dos anos 1980 a partir de características nostálgicas que vão desde a vinheta de abertura e a trilha sonora até as referências a jogos e filmes da época.
Há teorias, inclusive, de que a série teria sido encomendada pela Netflix após a análise de dados referentes ao consumo dos usuários. Na fórmula de Stranger Things residem filmes que marcaram a infância de uma geração, como O Enigma do Outro Mundo, E.T., Chamas da Vingança, Conta Comigo, Alien, Evil Dead e Os Goonies. A primeira temporada reúne elementos de cada uma dessas produções, tendo ainda astros da década homenageada no elenco (Winona Ryder e Matthew Modine).
A nostalgia explora essa questão saudosa de explicitar o “retorno” de outros tempos, sendo que, na maior parte dos casos, promove uma romantização das memórias. Nesse sentido, aspectos que possam arranhar a imagem cuidadosamente construída são deixados de lado. Mesmo quem não viveu o passado retratado consegue se relacionar com o período e ser seduzido pelo poder desse universo idealizado.
A sedução nasce a partir de sentidos estimulados pelas imagens, um acionamento proposital e explícito de inspiração na nostalgia, seja através de referências a outros produtos culturais, por meio da reconstituição de uma época, fazendo uso de trilha sonora e efeitos visuais, mediante um roteiro que aborda questões que envolvam a memória ou através da aposta em refilmagens, continuações e reimaginações de títulos anteriores. Todos esses processos buscam uma “nostalgização” das narrativas.
A nostalgia referida aqui é diferente do conceito inaugural da palavra, o qual era associado a uma suposta doença em que os soldados, durante a guerra no exterior, ficavam mal por sentir saudade de casa. Também não se vincula à dor melancólica provocada pela passagem do tempo, que seria uma interpretação direcionada ao âmbito psicológico. Distante de tais vieses pessimistas, a nostalgia ganha contornos mais suaves no século 20, sendo utilizada nas últimas décadas como desencadeadora de bem-estar.
Essa perspectiva vem muito de como a mídia articula a nostalgia. No processo, o intuito é atingir a identificação do público com o que está sendo narrado nos filmes e nas séries. Isso ocorre porque, durante a experiência, avaliamos nossas imagens e nossas vidas em comparação ao que observamos na tela, inclusive como uma possibilidade de reelaboração de nós mesmos. Essa relação com as obras culturais é feita por meio do que nos toca, nos afeta, nos atravessa. Assim, a nostalgia pode ser entendida como uma força simbólica presente em objetos culturais, sendo um elemento sedutor que busca interação com os espectadores. Essa equação garantiu o sucesso de bilheteria de diversas produções recentes. Não é à toa que vários dos lançamentos mais aguardados do ano possuem aproximações com o sentimento nostálgico.
Sendo um tempo atravessado por outros tempos, a nostalgia retrabalha o passado. Quando levada para o cinema, promove uma reciclagem de restos culturais, devorando e ressignificando imagens posteriores. Pode até mesmo anunciar uma falta de criatividade da indústria que, ao invés de vislumbrar o futuro, volta o olhar para o passado. Esse movimento talvez seja reflexo da crise enfrentada no século 21, com a polarização política e o esgotamento dos recursos naturais, razões que fazem do futuro algo temível, tornando mais confortável e seguro experienciar as memórias.
Bem como no cinema, a nostalgia também se faz presente na música, com sonoridades que remetem ao passado; na publicidade, a partir de relançamento de produtos e uso de design característicos de décadas anteriores; na televisão, com canais dedicados a reprises, reboots de novelas e programas com histórias envolvendo objetos antigos; e até nas redes sociais, com a hashtag #Throwback Thursday (#tbt), demonstrando o quanto celebramos as nossas lembranças, chegando a estabelecer um dia na semana direcionado a essa atividade.
Tudo isso integra uma cultura nostálgica, feita de memórias, alimentada por uma constante relação com o passado. Dessa forma, a nostalgia se tornou um potente propulsor da cultura pop, manifestada através de inscrições na tela e, também, imaginários temporais evocados. Podemos chamá-la de uma prática comunicativa, desencadeadora de prazer e que encontrou seu ápice como um sintoma dos tempos atuais.