É nas crises que muita gente se une e desperta para a solidariedade. Com a pandemia, a classe artística está aprendendo a se organizar de modo rápido e efetivo para suprir as carências de quem mais necessitava dos palcos para sobreviver.
No Rio Grande do Sul, pelo menos três agremiações estão em atividade para suprir as principais carências dos trabalhadores da cultura. Uma delas é o Sarau dos Artistas, que já auxiliou mais de 200 famílias com donativos.
O projeto foi criado originalmente em 2012, como um encontro mensal entre compositores. Em 2018, com a partida do âncora e fundador do projeto, Adriano Trindade, para a Alemanha, o evento deixou de ser presencial, mas continuou ativo nas redes sociais.
Com a chegada da pandemia, o Sarau passou a arrecadar fundos para o Banco de Alimentos de Canoas e o movimento Ajude a Graxa, que esteve bastante ativo no início da crise sanitária.
Em fevereiro, a partir de um chamado do roadie Piquet Coelho nas redes sociais, preocupado com a situação de colegas de profissão, o grupo voltou a se mobilizar. No dia 13 de março, iniciaram uma campanha para arrecadar doações, com três postagens diárias com apelo de diferentes artistas no Instagram. A campanha se encerra nesta quinta-feira.
— Somos um coletivo, não uma ONG. Não temos sequer condições legais para fazer uma campanha permanente ou mais duradoura — explica Adriano Trindade.
O organizador alerta que a crise se agrava no setor:
— No início, a maior parte das pessoas que pediam ajuda era de profissionais de eventos. Mas agora aparecem cada vez mais pedidos de músicos, principalmente cantores. Há casos de cantores conhecidos da noite que, quando receberam nossas doações, estavam há dias sem comer.
Com ainda maior alcance de beneficiados, a Confraria da Música já doou 1.860 cestas básicas. O coletivo captou doações de empresários e artistas conhecidos, recebendo desde cavalos até gaitas-ponto e violões, passando por acessórios de cutelaria, botas e outros itens. Sérgio Reis, por exemplo, doou um berrante, e Sorocaba, da dupla com Fernando, ofereceu um chapéu.
Em dois leilões com os objetos recebidos, o grupo já arrecadou mais de R$ 150 mil. A distribuição das cestas básicas é realizada em mais de 60 cidades, em parceria com o pequeno comércio de cada região — a Confraria realiza um depósito em uma mercearia ou supermercado próximo do músico e ele retira pessoalmente os itens. Em alguns casos, os próprios músicos da organização vão até a casa dos necessitados.
O cantor João Luiz Corrêa, uma das lideranças da Confraria, aponta que há necessidade de novas ações para receber donativos; porém, está cada vez mais difícil encontrar novos apoiadores. Do total já recebido, o movimento tem ainda em caixa pouco mais de R$ 20 mil.
— Todo mundo está muito apreensivo, inclusive as pessoas que poderiam doar — afirma João Luiz.
O músico acrescenta que a Confraria pretende se institucionalizar como associação para poder prestar auxílio aos músicos de forma mais organizada, bem como realizar ações de educação financeira:
— Estamos ajudando muito os músicos que tocam em bares. Muitos deles não se organizam financeiramente e se mantêm de modo informal. Em uma calamidade como esta, muitos não conseguiram acessar recursos do governo por trabalharem dessa forma.
A Associação dos Músicos do Rio Grande do Sul (Assmurs) também tem enfrentado dificuldade para renovar suas doações. No ano passado, conseguiu distribuir 18 toneladas de cestas básicas. No entanto, em 2021, foram recebidas menos de duas toneladas.
— As instituições estão em dificuldade e o pessoal não está doando mais em espécie. Está bem complicado. Tudo o que recebemos já foi distribuído — afirma Rodrigo Lentino, presidente da Assmurs.
O movimento tem se fortalecido com a adesão de artistas conhecidos. O ator Jair Kobe, por exemplo, já ofereceu seu trabalho para Sarau, Confraria e Assmurs. Criador do Guri de Uruguaiana, ele desenvolve conteúdos do personagem para divulgar as ações de arrecadação.
— Deixo meu personagem à disposição de quem está na luta pelos artistas. É o mínimo que eu e outros colegas podemos fazer: oferecer nosso trabalho, nossa arte — diz Jair Kobe.