Ainda é cedo para estimar a gravidade da crise da cultura e seus impactos na economia brasileira. Quem estuda o tema, no entanto, afirma com segurança que a taxa de desemprego do setor é maior do que a média nacional – e que a retomada só virá com a vacinação em massa. Especialista em economia da cultura e professor visitante da Queen Mary University of London, Leandro Valiati aponta que um recente estudo do Observatório do Itaú Cultural dá uma ideia da menor circulação de verbas no setor. O estudo indica que a liquidação de recursos reservados para cultura pelos Estados caiu de 75% (média dos cinco anos antes da pandemia) para 28% em 2020.
– Esse é um dado muito preocupante, já que o setor público impulsiona de fato grande parte dos empreendimentos culturais. Enquanto isso, no setor privado, há incapacidade de geração de renda na demanda. Na maior parte dos países, o setor cultural sofre com um desemprego maior do que a média nacional. Não há por que acreditar que no Brasil será diferente – explica Valiati.
Para Valiati, a recuperação da saúde financeira dos artistas passa pelo aprimoramento de alternativas digitais para espetáculos combinado com suporte público.
– A Lei Aldir Blanc é fundamental para o Brasil. Oferece auxílio econômico, mas também tem efeito compensatório na diminuição dos investimentos públicos em cultura. No entanto, há uma dificuldade de pagamento desse auxílio, pela falta de formalização do setor. A lei precisa ser aprimorada em sua aplicação – considera Valiati.
Em Porto Alegre, os grandes empresários do setor já deixaram claro que não esperam qualquer retorno aos palcos no primeiro semestre. Rodrigo Machado, da Opinião Produtora, acredita que a partir da segunda metade do ano espaços como o Araújo Vianna devem voltar a abrir, mas com severas restrições de público. Para ele, é uma retomada das atividades, mas não da saúde financeira:
– Costumo dizer que as produtoras são a chave na ignição do negócio da cultura. Quando a chave gira, todo o sistema começa a funcionar. Operar com um terço da capacidade empata os nossos custos, mas serve para começar a movimentar esse carro.
Enquanto as produtoras de grande estrutura preparam o terreno para um retorno gradual no segundo semestre, espaços culturais públicos promovem ações para manter contato com o público e os artistas por meio da internet. A Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), por exemplo, promove no dia 29 uma live com a atriz Deborah Finocchiaro. Já no dia 31, realiza uma transmissão de um show com Ana Cañas e Kaya Rodrigues, além da participação especial de Miriane Brock.
– As ações vêm contribuindo para um expressivo aumento do número de seguidores e de engajamento nas redes sociais. A proposta é seguir garantindo conteúdo de qualidade – assegura Diego Groisman, da CCMQ.
Empresários do setor e artistas também têm se dedicado cada vez mais a realizar transmissões e criar conteúdos para marcas. É o caso de Jair Kobe, criador do Guri de Uruguaiana.
– Os drive-ins e as lives não vingaram por aqui. Foquei todo meu trabalho nas mídias sociais e no uso de imagem. Temos uma equipe de produção de conteúdo para apresentar aos cliente trabalhos diferenciados. Recebemos diariamente pedidos de orçamento.
Ilton Carangacci, empresário de bandas como Papas da Língua e Vera Loca, considera que as empresas estão mais conscientes da importância das artes, representando um mercado importante neste momento de pandemia:
– Ficou mais evidente para as empresas a capacidade da música e dos artistas serem um veículo de aproximação das marcas com seus públicos. Isso sempre aconteceu, mas era uma praxe mais ligada às grandes marcas.
O empresário também aponta a importância do ambiente digital. Os Eles, Arthur Seidel e Fred Beck, também empresariados por Ilton, lançaram EPs, faixas inéditas e clipes durante a pandemia:
– A Vera Loca lançou dois álbuns completos durante a pandemia, um show inédito passou a veicular na TV a cabo pra todo Brasil. Estamos longe do mundo ideal, mas seguimos nos reinventando.