Um possível desvio de recursos do Theatro São Pedro está sendo apurado pela Operação Bastidores, deflagrada na manhã desta quarta-feira (10). A investigação coordenada pela 1ª Delegacia de Combate à Corrupção (1ª Decor) verifica se a Associação Amigos Theatro São Pedro (AATSP), uma entidade privada e sem fins lucrativos que dá suporte ao espaço cultural, usou valores indevidamente ao invés de repassar para a Fundação Theatro São Pedro (FTSP), entidade pública que administra o local.
Pouco após a operação ser deflagrada, Antônio Hohlfeldt, presidente da FTSP, concedeu uma entrevista ao Gaúcha Atualidade sobre o assunto e recuperou o histórico de cobranças, desde janeiro de 2018, quando assumiu o cargo, a respeito de balancetes fornecidos pela associação.
— Nos primeiros balancetes em 2018, eu não conseguia identificar contas, o que entrava e saía e sempre pedia que a Associação refizesse os documentos. Este pedido foi reforçado pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage), que fazia as fiscalizações sempre entre os meses de maio e junho. Naquele ano, eu entreguei os balancetes e disse: "Desculpe, sou filho de contador, mas eu não estou conseguindo ler isso aqui". Eu tinha que homologar, mas eu não assinaria algo que não estava claro para mim — lembra Hohlfeldt.
A impressão de que os demonstrativos estavam incorretos foi confirmada pela Cage, segundo o presidente da Fundação, pois não seguiam o padrão que o Estado exigia de todos os órgãos. Hohlfeldt reitera que a forte ligação entre a Associação e a Fundação, que ajudou na recuperação do Theatro e na construção do Multipalco, foi "azedando" com o tempo. A exigência da separação clara dos dois organismos levou, até mesmo, à demissão de José Roberto Diniz de Moraes da Fundação. Na época, ele acumulava o cargo de presidente da Associação Amigos e de chefe de gabinete da FTSP.
— Tivemos um esforço em 2018 de desligar ele de um desses cargos e ele optou pela Associação. No período, um funcionário da Cage foi cedido para a Fundação para nos ajudar nessa parte administrativa e ele tem feito isso até hoje — reforça Hohlfeldt.
Em maio deste ano, no entanto, a relação entre os dois organismos foi rompida. A Fundação não renovou o termo sob a alegação de que a Associação não aceitou novas cláusulas que seriam, inclusive, exigências de órgãos de controle. A Associação, por sua vez, se disse prejudicada com o teor do que estava sendo proposto.
Desde então, a FTSP tem realizado licitações e recontratações para manter o Theatro funcionando.
— Estamos reorganizando tudo, devolvendo equipamentos da Associação, embora o termo aponte que os bens adquiridos por ela passam a ser da Fundação em caso de rompimento. Isso tudo está sendo realizado juridicamente — detalha Hohlfeldt.
Pagamentos
Outro aspecto explicado por Hohlfeldt ao Gaúcha Atualidade foi a respeito dos funcionários da Fundação. Segundo ele, uma parte mínima da mão de obra é bancada pelo Estado, com cargos de administração, enquanto uma segunda parte é intermediada pela Associação, mas com o governo estadual também sendo responsável pelo pagamento.
— A diferença neste segundo agrupamento é que a Associação contrata, mas o Estado não tem ônus com 13º salário e outras obrigações trabalhistas. Ela contratava, eram pessoas cedidas ao Estado e a Associação emitia nota para que o governo reembolsasse — esclarece.
O presidente da Fundação alega que não foram encontrados pagamentos duplicados, mas que haviam casos de pessoas que eram vinculadas à Associação e estavam sendo atribuídas como contratações da FTSP. Agora, a intenção é discriminar os casos, pois "não há clareza nisso".
— Glosamos as contas desses dois anos desde que assumi, mas identificamos valores que não aceitamos. A Associação chegou a responder as incoerências e estamos reexaminando. No momento, seguimos em negociação interna para fazer o envio à Procuradoria-Geral do Estado, que dá a palavra final — pontua Hohlfeldt.
Futuro do Theatro São Pedro
Desde o rompimento entre os dois organismos, a Fundação Theatro São Pedro fez contratação mínima de segurança e de serviços gerais e está com um edital aberto para a obtenção de novos técnicos, prevendo a reabertura do local após meses fechados em função da pandemia.
Hohlfeldt também antecipa que o Estado está alterando os orçamentos para o ano que vem e que o Theatro terá que arcar com uma diferença de cerca de R$ 400 mil entre o repasse estadual e o necessário para manter as operações. A Fundação agora contará com bilheteria, locações e a busca de patrocínios para administrar.
Entre as melhorias previstas, estão a conclusão do palco oficina, localizado no quinto piso, que depende de uma liberação da Caixa Econômica Federal para o início da obra; e uma troca parcial do ar-condicionado do Theatro São Pedro. Neste último caso, já foi realizado um estudo técnico, pois o equipamento tem 35 anos.
Outro aspecto em análise pela Fundação é a obtenção de um "dinheiro grosso" para se comprar os equipamentos de som e luz necessários para a finalização do Multipalco.
— Estimo que seja entre 30 a 40 milhões de reais de investimento, porque tem que ter compatibilização entre os dois equipamentos — explica Hohlfeldt.
Apesar da Operação Bastidores e dos impasses nos balancetes, o presidente da FTSP acredita que o trabalho da Associação de Amigos "é fundamental", pois é um "instrumento importante" utilizado por diferentes espaços culturais.
— O que tem que ser feito é discriminar as contas e vale lembrar que, no caso da Associação Amigos, dois dos seis fundadores eram figuras importantes para o Estado. O organismo tem uma história bonita e a Dona Eva (Sopher) tinha percepção disso — finaliza.