No Facebook, são quase 17 mil seguidores. No Instagram, mais de 7 mil. No WhatsApp, um plantão tira-dúvidas. Semanalmente, verdadeiros mutirões de benzedores — chamados de "ambulatórios" — coletam nomes de interessados em benzimento. Tudo de forma voluntária. E online.
Criado há quatro anos, o projeto Florescer Bento é uma das iniciativas que querem resgatar a cultura do benzimento, antiga tradição brasileira, resultado do sincretismo de fé católica, rituais indígenas e religiões africanas. É bom esquecer, no entanto, aquele estereótipo das velhinhas em trajes puídos em casebres escuros com dizeres sussurrantes. Na era das redes sociais, as benzedeiras (a maioria é mulher) são jovens, antenadas e conectadas.
Pâmela Souza, a idealizadora do Florescer Bento, tem 26 anos. Tomou contato com o benzimento em 2016. Ela era aluna de Direito e trabalhava como assistente de um juiz. Sonhava seguir a magistratura.
— Me deu um chilique e decidi ir a uma vivência do tema. Desmarquei tudo e fui — conta.
Encantou-se pelo tema, descobriu que em sua família essas raízes estavam presentes — avós, bisavós e tataravós eram benzedeiras. Mudou sua vida, criou uma escola de formação e vive da difusão dos princípios do benzimento — o benzimento, em si, jamais pode ser cobrado. Ela já capacitou 1,6 mil benzedeiros.
— Meu objetivo é resgatar a arte ancestral do benzimento a curto prazo. A longo prazo, que a tradição familiar seja retomada — diz.
Uma dessas benzedeiras da nova geração é a jornalista e terapeuta de hipnose clínica Isabela Barros, 42 anos. Quando ela deparou com o anúncio, no Facebook, de um curso de formação, reavivou as memórias da avó paterna, que vivia em Arapiraca, no interior de Alagoas, e benzia os netos e as pessoas próximas.
— Nem entendia o que ela falava, mas me sentia protegida — recorda.
Após o curso, realizado no fim do ano passado, Isabela diz que encontrou um lado seu "muito bonito, forte, que nem sabia que existia".
— O benzimento é livre. No meu jeito de benzer eu chamo muito santo, essa é a coisa mais católica que eu tenho. Tenho um altarzinho aqui em casa cheio de santo. Quero participar dos mutirões de benzimento, a distância e presenciais — diz.
Ela benze diariamente os filhos, Joaquim e Maria Teresa, respectivamente com seis e três anos, e quem mais pedir. Nos planos para o ano que vem está ampliar esse círculo.
Estalo
Pioneira desse movimento de reinvenção do benzimento, a bióloga e terapeuta holística Jacqueline Naylah, de 37 anos, teve o estalo com a morte da avó, há oito anos:
— Eu me perguntei naquele momento onde estavam as benzedeiras. Ela foi a última mulher que benzeu? Quem iria perpetuar o legado de minha avó?
Naylah começou a pesquisar e, aos poucos, a reproduzir o que a avó fazia:
— Comecei a anotar as lembranças dela benzendo, das benzedeiras que vi na infância, o benzimento tem um rito em comum em todas.
Ela publicou Diário de Uma Benzedeira e Eu Te Benzo: O Legado de Minhas Ancestrais.
— Muitos dizem que sou a benzedeira da nova era, conectada com as redes sociais. Deus entende nossas necessidades. Se a benzedeira não consegue chegar, eu estou no Facebook, no Instagram. Minha avó recebia em casa, eu posso atender de forma remota — afirma.
Coordenador do curso de História no Mackenzie, o teólogo e historiador Sérgio Ribeiro Santos pondera que o sincretismo religioso está na origem da cultura do benzimento.
— O catolicismo chegou aqui com os jesuítas e encontrou-se com a herança indígena, o pajé e os curandeiros. Depois vieram os escravos com suas religiosidades africanas. Tudo isso criou um catolicismo popular em que o benzimento está presente — explica.
Para ele, o risco de extinção dos benzedores populares pode ser explicado por fatores como a urbanização, a racionalização da religiosidade e o acesso maior à medicina.
Convivência
A convivência da Igreja Católica com essa tradição costuma ser amistosa.
— A rigor, a Igreja não condena os benzimentos. De certa forma até incentiva, como uma forma de oração de uma pessoa para outra. O que a Igreja não reconhece é a validade sacramental dessas bênçãos. As bênçãos de leigos não significam que a pessoa esteja abençoando, mas sim pedindo a bênção de Deus — analisa o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
O sociólogo e biólogo Francisco Borba Neto, do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo, ressalta que o gesto da bênção "é uma prática comum no catolicismo". O problema "é a pretensão de uma ação mágica da bênção". E, diferentemente de ritos afros e indígenas, a Igreja não admite o entorpecimento dos sentidos por parte de quem abençoa — com bebidas alcoólicas ou alucinógenos.
Para a benzedeira Jacqueline Naylah, seus gestos são ecumênicos.
— Sou de todas as religiões e ao mesmo tempo de nenhuma delas. Esta é uma visão muito presente na cultura do benzimento: a maior parte das benzedeiras antigas tinha um altarzinho com Menino Jesus, Oxum, Buda, Jesus Cristo Lá em cima, todos se entendem.