Por Ticiano Paludo
Doutor em Comunicação, professor da PUCRS, autor de “Mitologia Musical: Estrelas, Ídolos e Celebridades Vivos em Eternidades Possíveis” (Appris, 2017)
Estava lendo em GZH o texto com a seguinte manchete: “Lady Gaga diz que teve depressão por conta da fama: ‘Odiava ser uma estrela’”. O referido título ilustra de forma sintética e precisa o maior paradoxo que ronda as estrelas planetárias. Analisando a biografia de uma série delas, não importa se no campo musical, na TV, no cinema, nos esportes e até, quem diria, na vida acadêmica, é possível perceber esse refrão sendo bradado em diferentes épocas históricas, geografias e contextos. O tom, a melodia, o ritmo e o andamento podem mudar. Não importa. O peso da estrela é demais para os mortais, e toda a estrela terráquea é mortal. O ciclo se repete. Todas querem ir do inferno da obscuridade aos céus da fama, e quando lá chegam desejam virar a ampulheta do tempo e voltar ao céu ordinário da origem.
Durante minha tese de doutorado me ocupei justamente de Lady Gaga, pois sentia que ela representava (e ainda representa) um exemplar bem ilustrativo da equação volátil que enquadra de forma implacável aqueles que pretendem ocupar os céus iluminando os mortais com seu brilho divino. A missão estelar não é exclusiva da era da superconexão digital, das relações e interesses líquidos, dos youtubers e influencers de um veranico. Desde os tempos mais antigos sempre existiram aqueles que queriam brilhar e aqueles que queriam ser iluminados. Só que no passado esses fatos eram mais acústicos e menos plugados. Hoje, como vampiros eletropop digitais, as estrelas do entretenimento sugam incessantemente a energia devocional de seus iluminados, nutrindo-se de sua idolatria, para ter força suficiente que permita brilhar com vigor e, olhe só, devolver o brilho que parecia não existir ali de forma amplificada com muitos Whatts a mais, em uma ressignificação luminosa. Afinal, quem ilumina quem?
Durante minha pesquisa doutoral propus o conceito de mitologia musical, me apropriando do estado da arte da mitologia para endereça-la à indústria fonográfica. Nessa caminhada, surgiu-me a expressão “eternidades possíveis”. A exaustão de Gaga se justifica exatamente nesse capilar. Poucos são os artistas, como os Beatles, Hendrix ou The Doors (citando alguns rápidos e profundos, que antecederam a modernidade líquida) que conseguiram produzir uma obra sólida em um curto período de tempo e que se cristalizou como canônica, resistindo à passagem do tempo e aos rivais que surgiram, posteriormente. Uma luz que nunca deixa de brilhar. O resto, vagalumes. Gaga sabe que vive em outra aceleração, uma aceleração propulsionada pela economia da atenção, pela ansiedade desenfreada e pelo desinteresse no brilho eterno de uma mente com lembrança. A eternidade é possível enquanto dure. Os ídolos são menos eternos e mais shuffles.
Gaga sabe: a responsabilidade de estar sempre iluminada e radiante cobra o seu preço. Ela quer o bad romance. Ela mesma já cantou. Assim como o duplo de Dostoiévski assombrava o seu outro eu, Joanne é assombrada por Gaga. Se para muitos ela é uma Deusa, e se a Deusa cuida de todos os mortais, aonde está a Deusa que cuida da Deusa? E quanto mais clamor ela pede, quanto mais expõe suas feridas, mais seus devotos precisam dela, de sua luz, e menos ela encontra sua Deusa. Talvez Joanne.