Não há palco para se apresentar, não há galeria aberta para expor, não há feira para autografar e abraçar o público. É desolador o cenário para a classe artística em meio à pandemia do coronavírus. Com o cancelamento de atividades para evitar aglomerações, multiplicam-se incertezas sobre como os profissionais da cultura irão se manter financeiramente no período de quarentena.
Entre as medidas para conter o impacto da paralisação, a Secretária de Cultura do Rio Grande do Sul prepara um edital para a criação de uma plataforma online em que artistas poderão expor o seu trabalho e serem pagos. Mas o receio é inevitável para a classe.
GaúchaZH conversou com representantes de diferentes segmentos da cultura para saber os anseios e possíveis caminhos para amenizar o impacto da falta de trabalho.
Artes visuais
O artista sofre duplamente neste período de isolamento involuntário, conforme Lisiane Rabello, presidente da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, pois, sua obra precisa do público para ser vista e, portanto, ficar completa.
– A arte na gaveta não existe – afirma Lisiane, em depoimento escrito junto com o artista Leandro Selister.
Os dois também destacam que alguns artistas estão achando soluções alternativas, realizando exposições online ou dando cursos virtuais, mas a grande maioria não tem esses recursos.
– Alguns têm seus clientes cativos, muito poucos na verdade, além da crise proporcionada pela pandemia, já existia a crise econômica e o investimento em arte e cultura vem diminuindo progressivamente – apontam.
Como ressalta a artista Laura Cattani, o acesso aos materiais fica limitado, e o contato com fornecedores e parceiros é interrompido ou prejudicado, o que deixa inviável a execução de muitos trabalhos.
– Várias obras com as quais trabalhamos, como as instalações, precisam de uma experiência presencial. Me parece que é mais difícil para o público perceber esse impacto quando comparado ao de um show cancelado, onde as relações entre realização do trabalho, envolvimento financeiro e experiência do usuário são muito mais claras – ressalta.
Lisiane e Leandro apontam que o poder público poderia amenizar a situação reabrindo editais para o Fundo Municipal de Apoio à Arte (Funproarte) ou facilitando o acesso à Lei de Incentivo à Cultura, abrindo editais emergenciais para o Fundo de apoio à Cultura (FAC).
– Pensar o artista como um trabalhador que está impedido de exercer seu ofício, em resumo.
Teatro
O presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (SATED/RS), Fábio Cunha, lamenta que o setor está sendo afetado de maneira drástica.
– Está todo mundo muito apavorado. A grande maioria ganha por diária, a bilheteria pode determinar o quanto ganham – assinala.
De acordo com Cunha, deveria haver uma medida emergencial do poder público que atenda ao trabalhador autônomo e que vive de arte, que se estenda também ao iluminador, ao cenógrafo, aos técnicos de som e a outros profissionais envolvidos.
– Queremos um fundo de amparo ao artista onde ele possa acessar uma verba de R$ 1 mil durante três meses, então seria R$ 3 mil para poder pagar aluguel, água – anuncia. – Criar editais junto com a Secretaria da Cultura para ajudar todos emergencialmente, para que o abalo seja menor. E isenção de impostos para empresas, espaços culturais, escolas de dança.
Audiovisual
A presidente da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos (APTC), Daniela Strack, aponta que o setor audiovisual já vem sofrendo uma recessão muito forte desde 2018, com a Ancine tendo as atividades reduzidas e muitos projetos estacionados em etapas variadas. Portanto, a crise do coronavírus agrava a situação de profissionais que atravessam um momento de incertezas.
– A crise é muito grave para o setor audiovisual porque trabalhamos com profissionais que têm especificidades entre o técnico e o artístico. Por exemplo, eletricistas, produtores de objetos e diretores de arte. São pessoas que trabalham em sets de filmagem e que, provavelmente, não vão ser contemplados nas medidas artísticas de proteção aos artistas que as secretarias de cultura têm pensado, como transmissões online ou editais que contemplem divulgar obras audiovisuais online – explica.
Como a APTC destacou em nota, “os profissionais da indústria audiovisual são em maioria autônomos, contratados por projeto realizado na forma de MEI (Microempreendedor Individual), ME (Microempreendedores) ou de EIRELI (Empresa individual de responsabilidade limitada) e por isso não se enquadram nas medidas de contenção que vem sendo anunciadas pelo governo federal”. Daniela aponta a necessidade de entender juridicamente como os profissionais com perfis técnicos podem recorrer a esses benefícios, a algum seguro-desemprego, de forma que consigam se sustentar nesse período.
Música
Apesar das apresentações realizadas por streaming na web, além de festivais promovidos nas redes sociais, a situação é catastrófica para os músicos. Conforme Rodrigo Lentino, presidente da Associação dos Músicos do Estado do Rio Grandes do Sul (Assmurs), as principais preocupações do segmento são no sentido da própria sobrevivência dos profissionais e seus dependentes.
– As medidas necessárias adotadas de cancelamento de shows, restrições à bares e restaurantes, assim como a necessidade de isolamento social, obviamente afetaram diretamente os músicos em sua totalidade. Principalmente aqueles que tinham e têm o seu exercício profissional como única fonte de renda, estão todos sem o mínimo rendimento financeiro – lamenta.
Rodrigo diz que a Assmurs lançou uma campanha de arrecadação de alimentos e produtos de higiene e limpeza, entre outras iniciativas nas redes sociais.
– Estamos pedindo ao governador, aos deputados e vereadores que proponham a criação de um salário emergencial para atender a nossa classe, que simplesmente não tem de onde tirar o seu próprio sustento – alerta.
Literatura
Embora o isolamento possa ser uma matéria-prima da criação, o presidente da Associação Gaúcha de Escritores (AGES), Alexandre Brito, aponta que o aperto fiscal deve comprometer inúmeros programas de incentivo à leitura e adoções de livros pelo interior do Estado.
– Estes eventos e programas, conjugados, são responsáveis pela circulação de um número importante de livros e autores que fazem a riqueza cultural e econômica da cadeia do livro. As livrarias e as pequenas editoras especialmente, que tanto têm contribuído e arejado a cena literária gaúcha, apresentando novos escritores e escritoras, também sofrerão enormemente – avalia.
Entre as ações possíveis para enfrentar a crise, Brito cita que na última semana foi criado o Fórum de Ação Permanente pela Cultura, que surge em parceria com diversas entidades (entre elas a Ages). A iniciativa busca a implementação de um plano de medidas emergenciais para o setor cultural.
– Este diálogo político com os governos, fazendo-os compreender o significado “econômico” da chamada “economia da cultura”, é uma das frentes onde se busca minimizar os danos que estão por vir – sublinha.