A maior parte dos 20 mil visitantes que passaram pelo Sesc Protásio Alves no final de semana era formada por simples curiosos. Famílias que aproveitaram o sábado e o domingo ensolarados em Porto Alegre para acompanhar de perto a forja de uma espada com ferro em brasa, ver pessoas fantasiadas com orelhas pontudas ou curtir um show musical celta. Mas não pessoas como Mi e Thi.
Milene Gross, técnica em enfermagem de 40 anos, e Thiago Luiz, técnico em informática de 30, caminhavam pela 2ª Feira Medieval Sesc de arco e flecha a tiracolo e o semblante grave de quem tem uma floresta a defender, pois são mercenários do Clã da Folha.
Ou melhor, ex-mercenários. Mi tenta explicar: quando a guerra terminou — qual guerra? Bem, não sabemos —, mercenários como ela e o amigo deixaram de ter batalhas para bancar seu sustento. Ao mesmo tempo, o histórico de violência rendia a antipatia dos povos da floresta. Eles não eram considerados confiáveis. A solução foi juntar todos os guerreiros em um único grupo e dar a eles a incumbência de manter o reino em paz. Assim, nasceu o Clã da Folha, uma espécie de exército de desgarrados, cujos membros confraternizam ao lado do campo futebol do Sesc, em plena Porto Alegre do século 21.
O Clã da Folha faz parte de um LARP (de "live action role play") ou um jogo com atuações de carne e osso, com um pé na verossimilhança da Idade Média e outro na fantasia de universos análogos aos de obras como O Senhor dos Anéis e Game of Thrones. O que aconteceu no Sesc, nas tardes de sábado e domingo, foram competições entre os clãs. Uma espécie de gincana para que o pessoal de fora vislumbrasse um pouco daquela realidade que eles encenam. Conforme Carol Costa, teóloga de 32 anos que incorpora uma sacerdotisa no jogo, são personagens que representam como eles se veem na vida real.
— Os personagens que nós interpretamos são como metáforas de nós mesmos. Aqui, eu sou uma druida, uma espécie de sacerdotisa. Na minha vida, sou uma pessoa que tira tarô para minha família, que celebra eventos etc. Quem me enxergar no ônibus não vai me ver toda maquiada, mas pode reparar a saia longa, a tatuagem, o colar...
No Sesc, houve situações inusitadas. Carol mais de uma vez foi interrompida em sua entrevista a GaúchaZH para que representasse seu clã frente a comitivas de outros povos. Educadamente, ela pedia licença e mandava um emissário igualmente fantasiado representá-la. Quando o figurino de algum personagem impressionava, um visitante qualquer interrompia as encenações para fazer uma selfie.
De acordo com Ernesto Antunes, 30 anos, eles estão acostumados a esse tipo de comportamento em eventos festivos, como a 2ª Feira Medieval Sesc. Para quem faz parte de um LARP, as feiras servem para confraternizar, para comprar artefatos — a maioria delas em EVA, uma espuma endurecida que os torna inofensivos — ou figurinos. No caso de Ernesto, o LARP Imperium toma forma em eventos trimestrais em Nova Santa Rita, onde participantes se reúnem e seus personagens interagem em ações que terão implicações em eventos futuros, como casamentos, feitiços e batalhas entre os clãs.
Entre um evento e outro, Ernesto concorda com a druida Carol de que é difícil manter o personagem inativo. Ele já viveu dois, um professor errante e um curandeiro. São personalidades que ora representam Ernesto, ora o influenciam.
— Zardian, o professor, é como eu: se uma rotina o entedia, ele vai embora. Já Fingloriom, o curandeiro, me ensinou algumas coisas. Hoje eu planto chás em casa porque é um interesse do personagem saber as propriedades das ervas — declara o rapaz de cabelos longos, orelhas pontudas e espada.
Soa trabalhoso. Quem desejar ir além, pela bagatela de R$ 170 é possível comprar uma machadinha de espuma (R$ 60) e uma capa (R$ 110) e começar a bolar seu personagem. Você pode aprender mais sobre no site de Imperium, mas será preciso um computador, essa grande invenção de séculos mais tarde.