TURIM, Itália – Uma sala adornada com revestimento vermelho escuro e espelhos com molduras de ouro. Mobília italiana do século 18 no mais opulento estilo rococó. Uma tela da fase mais tardia e sentimental de Renoir, "Jovem Mulher com Rosas", está pendurada na frente de prateleiras preenchidas com volumes bibliográficos belamente encadernados. Há enfeites dourados por todos os lados.
Para os olhos de hoje, acostumados a apreciar a arte em ambientes minimalistas, a luxuosa mansão do recluso colecionador italiano Francesco Federico Cerruti, abrigando seus ecléticos bens, parece um cenário pouco usual. O que a arte contemporânea pensa disso?
"Amo. É como se fosse uma instalação criada por um artista", declarou Carolyn Christov-Bakargiev, diretora do Museu de Arte Contemporânea Castello di Rivoli, enquanto examinava a recém-restaurada casa pertencente a Cerruti. E acrescentou: "Os artistas não aguentam mais cubos brancos. Você precisa jogar fora a aura de museu para que a arte possa renascer."
Cerruti morreu em 2015, aos 93 anos. Após sua morte, para que o público tivesse acesso à sua extraordinária coleção, um acordo foi feito entre a fundação criada por ele e o museu Castello di Rivoli, localizado nas proximidades de Turim, no noroeste da Itália. Um pequeno número de obras-primas foi exibido neste que é o primeiro museu de arte contemporânea do país.
Mas o lar do acervo de Cerruti, que inclui cerca de mil itens elaborados nos mais diversos séculos, é a excêntrica casa em estilo provençal que ele construiu nos anos 60, não muito longe de Castello, nas colinas acima de Turim.
A construção se destaca pela torre de observação, que pode ter sido inspirada pelas dez pinturas de Giorgio de Chirico que ele possuía – de Chirico influenciou profundamente os surrealistas. A propriedade foi habilmente restaurada pelos arquitetos da Baietto Battiato Bianco e o Con3Studio e, hoje, é administrada pelo Castello. Recentemente, foi aberta ao público; a cada hora, um micro-ônibus faz o traslado de visitantes entre o museu e a mansão.
"Estamos na era dos colecionadores e, agora, colecionamos um colecionador", disse Christov-Bakargiev, que serviu como diretora artística do Festival de Arte Contemporânea Documenta de 2012 antes de ser nomeada diretora do Castello di Rivoli. Ela acrescentou que enxerga em Cerruti um modelo de como indivíduos com grandes riquezas deveriam adquirir, aproveitar e, por fim, compartilhar arte. "Ele queria que sua coleção virasse um museu público acessível a todos", observou.
Cerruti era um personagem excepcional, mais parecido com uma ficção do fim do século XIX do que com um fato do início do XXI. Era presidente da empresa familiar, a Legatoria Industriale Torinese, que, entre os anos 50 e 90, deteve o contrato para realizar a unificação dos diretórios da telefonia italiana.
Nunca se casou. Durante a semana, vivia em um conjunto trivial de apartamentos perto de sua fábrica em Turim. Aos domingos, almoçava sozinho na mansão, acompanhado pelas orquídeas do terraço, no verão, ou pelas obras de Chirico na sala de jantar, no inverno, mas raramente passava a noite lá.
Cerruti tinha planejado morrer em seu quarto no topo da torre, cercado por pinturas medievais italianas, mas, afinal, veio a falecer em um hospital de Turim. Na época, poucas pessoas sabiam que ele era detentor de obras de arte, livros, tapetes, peças de cerâmica, móveis e objetos de prata avaliados em 600 milhões de dólares (quase dois bilhões e meio de reais). O grande público nada sabia sobre sua vida pessoal.
"A coleção que ele construiu expressava uma necessidade interna", esclareceu Christov-Bakargiev ao dirigir-se à sala de música, apontando um retrato do início do século XVI, de autoria de Dosso Dossi, do ermitão São Jerônimo, que renegou as tentações da carne, mas que também é o santo padroeiro dos bibliófilos.
Cerruti tinha um interesse especial por imagens de homens reclusos com livros. A soberba obra de Jacopo Pontormo "Retrato de um Cavalheiro com Livro e Luvas", de 1540, aproximadamente, é possivelmente a mais preciosa.
A predileção de Cerruti por pinturas antigas e mobílias luxuosas do século XVIII evoca o elaborado "gosto dos Rothschild" em decoração de interiores, como encontrado no Museu Nissim de Comondo em Paris e na Coleção Wallace em Londres. Para muitos, isso pode parecer uma estética que choca pela extemporaneidade, especialmente para uma casa da arte moderna.
No entanto, Cerruti, que passou décadas comprando, sem alarde, obras por meio de leilões e negociadores de arte, também tinha um olhar atento para obras do século XX. A modesta escadaria da mansão, por exemplo, é decorada com um grupo deslumbrante de pinturas de Francis Bacon, Amedeo Modigliani, Paul Klee, Joan Miró e Fernand Léger.
Nas paredes do quarto da mãe de Cerruti (embora ela quase nunca tenha passado a noite lá) veem-se obras-primas surrealistas, futuristas e expressionistas, todas as quais poderiam estar expostas nos maiores museus de arte moderna.
Tudo isso coloca um desafio para o Castello di Rivoli, que está exibindo "The City of Broken Windows", uma instalação multimídia feita pelo artista alemão Hito Steyerl. Será que os dois museus são muito contrastantes?
"Vamos mantê-los em tensão poética", disse Christov-Bakargiev sobre os dois espaços. Ela evitou incluir trabalhos contemporâneos na Villa Cerruti, mas iniciou um vasto programa de comissionamento pelo qual artistas contemporâneos são convidados a interagir com a casa e o acervo. Uma nova criação da artista de som britânica Susan Philipsz foi instalada no jardim da casa e, no Castello, o artista chinês Liu Ding concebeu uma instalação chamada "The Orchid Room: Cerruti's Attic and the Earthly World", inspirada nos almoços solitários do colecionador.
Estamos nos abrindo para o passado. Essa é a novidade. Estamos fazendo um experimento e os artistas estão abraçando a causa.
CAROLYN CHRISTOV-BAKARGIEV
diretora do Museu de Arte Contemporânea Castello di Rivoli (Itália)
Christov-Bakargiev observou que, recentemente, muitos museus que exibem itens antigos têm voltado sua atenção para a arte contemporânea com o propósito de renovar seu apelo. "Estamos nos abrindo para o passado. Essa é a novidade. Estamos fazendo um experimento e os artistas estão abraçando a causa", explicou.
Entretanto, será que, ao estabelecer essa parceria, o museu Castello di Rivoli estaria comprometendo a missão da arte contemporânea de seguir reinterpretando e reinventando o sentido de "agora" em vez do de "então"?
Christov-Bakargiev disse que pediu a opinião do artista veterano do movimento Arte Povera, Michelangelo Pistoletto. Este, segundo ela, respondeu que, se as obras dos tão admirados mestres antigos passassem a custar menos do que um de seus próprios trabalhos recentes, aí sim seria sinal de que alguma coisa estava tremendamente errada. "Ele disse que a culpa é nossa e apenas nós podemos desfazer o equívoco", completou Christov-Bakargiev.
Na realidade, como Cerruti teria destacado se ainda estivesse por aqui estudando freneticamente os catálogos de venda, uma obra-prima de grande importância, por exemplo, de Pontormo, custa hoje dezenas de milhões de dólares, ao passo que, atualmente, o preço mais alto que Pistoletto atinge em um leilão é um pouco menos extravagante: 4,9 milhões de dólares (pouco mais de 20 milhões de reais).
Contudo, ele tinha razão. A era digital em que vivemos valoriza cada vez menos a arte do passado. Curadores e artistas – e um extraordinário colecionador – estão tentando consertar isso nas colinas acima de Turim neste exato momento.
Por Scott Reyburn