NOVA YORK – "Há certas coisas", começou Annette Bening, "sobre as quais você realmente não quer falar."
Bening, de 60 anos, estava sentada em um café, comendo ovos mexidos. Não fazia muito que o relógio batera meio-dia. Horas depois, ela passaria pela porta do palco do Teatro American Airlines e começaria o processo de tornar-se Kate Keller, a mãe do núcleo dramático da peça "Todos Eram Meus Filhos", de Arthur Miller.
Jesse Green, codiretor de crítica teatral do "The New York Times", escreveu que, em "Todos Eram Meus Filhos", "dos quatro protagonistas, Bening é a que vai mais fundo ao explorar a sujeira mais profunda da personalidade do personagem". Como ela consegue? Essa é uma daquelas coisas que ela mencionou no início.
Ela bem que gostaria de poder falar sobre isso, afirmou com a voz já envelhecida pela idade. Ela gosta de ler entrevistas de atores, vasculhando-as em busca de detalhes sobre a vida e a arte deles. "Sou obcecada por essas coisas", declarou. Ela gostaria de colaborar. De oferecer apoio ao espetáculo. E havia algumas informações que poderia revelar, como uma história familiar ocorrida anos antes de nascer, que ajudou a dar vida a Kate.
Mesmo assim, discutir como ela se preparou para o papel e como ela o interpreta significaria intelectualizar a função, distanciar-se dela, violar algo velado, até mesmo sagrado, que está no centro do que ela faz.
Jack O'Brien, diretor da peça na companhia de teatro Roundabout, contou que raramente vê uma atriz (ou ator) "tão disposta a se sacrificar em busca de honestidade". Ele também não falaria sobre os métodos dela: "Respeito os instrumentos e os processos que ela emprega tão intensamente para isso; não vou expô-la", disse, algumas horas antes de eu me sentar com Bening.
Como Bening vai lhe dizer, privacidade é importante. É saudável. E eu não concordava que, hoje em dia, nesses tempos que vivemos, compartilhamos coisas demais e talvez não devêssemos? "Por isso, me desculpe", reiterou a atriz sobre sua decisão.
Eu a desculpei. Você teria feito o mesmo. Porque quando Bening aciona a força total da atenção e da simpatia sobre você é como se ela tivesse ligado um sol portátil; boa sorte ao tentar resistir.
Além disso, esses limites definitivos são provavelmente o motivo de ela parecer tão exposta no palco e, ao mesmo tempo, tão imperturbável como se estivesse comendo uma torrada, óculos cor-de-rosa apoiados no nariz, os cabelos esvoaçantes tingidos de castanho-claro para o papel.
Antes de se tornar uma estrela de cinema, antes de se casar com Warren Beatty e ter quatro filhos, antes de reconquistar a Broadway após um hiato de 32 anos, Bening era uma atriz clássica. Naquela época, como agora, ela era cerebral, desinibida, vibrante. "Ela sempre foi muito fascinante", elogiou o ator Dylan Baker, que atuou com ela em "Trabalhos de Amor Perdidos" no Festival Shakespeare do Colorado, em 1980.
Na metade da década de 1980, ela se sentiu pronta para se mudar para Nova York e conseguiu um papel em uma comédia no circuito off-Broadway, "Coastal Disturbances", de Tina Howe.
O espetáculo entrou na Broadway, levando Bening à primeira indicação ao prêmio Tony. Ela interpretou Holly, uma fotógrafa apaixonada que se muda para o litoral e se apaixona por um salva-vidas, Leo. "Ela trouxe tanta inteligência, emoção e singularidade. Era transparente, conseguíamos ver as emoções atravessando a pele dela", relatou Howe.
Analise sua atuação em um vídeo disponível on-line, provavelmente filmado para a divulgação dos prêmios Tony, em que Holly fala com entusiasmo sobre golfinhos e marés enquanto Leo (interpretado por um Tim Daly absolutamente bronzeado) a enterra na areia dos pés à cabeça. Ela se lembra de ter de tomar banhos constantes. "Mas eu me sentia tão sortuda. Sortuda, sabe?", relembrou.
Não demorou para Bening chegar a Hollywood. Desde o sucesso que obteve no papel em "Os Imorais" até "Bugsy", onde conheceu o marido, e "Adorável Júlia", "Minhas Mães e Meu Pai", "Mulheres do Século 20" e "Estrelas de Cinema Nunca Morrem", ela se especializou em mulheres assertivas e complicadas. Das duas, uma: ou ninguém lhe disse que personagens femininas não podem ser tão inteligentes e sexy ou lhe disseram, mas ela os ignorou.
"Todos Eram Meus Filhos" é uma peça sobre responsabilidade, corrupção e a conexão, como disse Bening, "entre uma economia que prospera e conflitos sangrentos que vitimizam milhares".
Joe Keller, marido de Kate, é o dono de uma fábrica que produzia cabeçotes com defeito durante a Segunda Guerra Mundial. Essas peças eram enviadas à Austrália, onde eram soldadas a aviões de caça. Vinte e um pilotos morreram. Três anos depois, em 1947, tendo um filho retornado da guerra e outro considerado desaparecido em combate, Joe foi exonerado, mas a questão sobre a culpa se mantém.
"A peça pergunta: somos apenas responsáveis por nós mesmos ou somos responsáveis pelo bem maior? Essa é uma questão profundamente política", argumentou Bening.
Mas sua relação com a peça, à qual assistiu pela primeira vez na faculdade, é mais pessoal. E sobre isso, pelo menos, ela quis falar. Durante a Segunda Guerra Mundial, contou, Russell Ashley, um dos irmãos mais velhos de sua mãe, ingressou na Força Aérea Real Canadense (era velho demais para a americana) e foi servir na Índia. "Ele morreu porque seu avião apresentou falha mecânica", revelou.
O corpo nunca foi encontrado. Ela tem uma foto da família tirada logo depois do acidente. A avó está com 60 ou 61 no retrato, a mesma idade de Bening hoje. "Ela está com essa expressão e tem essa –". Bening não conseguiu terminar a frase.
Seria psicologicamente, fisiologicamente, impossível você ser um artista e não usar nada das experiências individuais.
ANNETTE BENING
atriz
Perguntei o que aquilo significava para Kate, mas Bening conseguiu evitar a resposta de forma elegante. Reconheceu que suas próprias experiências como mãe a ajudaram a compor o papel, mas apenas de maneira genérica. "Seria psicologicamente, fisiologicamente, impossível você ser um artista e não usar nada das experiências individuais", ponderou. (Usar "você" e "seu" em vez de "eu" e "meu" é uma opção que tem muita relevância para a atriz.)
Eu teria gostado de ouvir sobre as particularidades, sobre o que na vida dela – não da mãe ou da avó – a ajudou a pegar uma personagem como Kate, que, no papel, pode parecer frágil, fragmentada, uma dona de casa desesperada da metade do século, e transformá-la em alguém cheia de vida e expansiva. Mas há anos ela parou de falar sobre os filhos e raramente menciona o casamento. Entretanto, quando se referiu brevemente a como uma vulnerabilidade compartilhada pode criar laços intensos entre os atores, foi difícil não pensar em Beatty.
Ela falou um pouco sobre o que faz antes de entrar no palco, uma espécie de rotina de exercícios – nadar, treinar no elíptico (aparelho que simula caminhadas e corridas), ioga – que ajudam a acalmar o que ela chama de "tagarelice mental". Mesmo assim, instantes antes de a cortina se abrir, ela pode se sentir assustada, com medo, exposta.
Mas aprendeu a dizer a si mesma: "Bem, é natural que se sinta assim. Você está diante de um grande grupo de pessoas." Então, ela entra e oferece uma atuação que, por um lado, parece calculada nos mínimos detalhes e, por outro, parece um improviso no decorrer dos atos.
Benjamin Walker, que interpreta seu filho, tem um menino de dois anos. Ele fez uma comparação: "Estar no palco com ela é como estar no palco com uma criança que traz na mão uma arma carregada. Você simplesmente não sabe o que vai acontecer." E acrescentou: "Ela está constantemente surpreendendo você porque se esforça para surpreender a si mesma."
Por Alexis Soloski