Entrar na livraria e nunca saber que livro escolher. Acessar a plataforma musical e pensar por onde começar a se aventurar no rap. Ou discutir algum filme sob uma ótica, digamos, mais filosófica. Dilemas como estes, relacionados ao universo da cultura pop, não passam despercebidos pelo canal do YouTube Quadro em Branco, criado pelos pelotenses Henrique Jacks e Otavio Oliveira, ambos com 21 anos.
Com narrativa voltada a imprimir um discurso pessoal na aproximação com o público, o canal já conta com 454 mil inscritos e 17 milhões de visualizações em suas dezenas de vídeos publicados desde janeiro de 2017. Para se ter uma ideia, a partir de cem mil inscritos um canal já recebe certificado de reconhecimento da plataforma – assim como os que atingem as marcas de 1 milhão e 10 milhões.
Nos videoensaios de cinco a 10 minutos de duração, em que divagam sobre diferentes áreas culturais, da música às histórias em quadrinhos, da literatura ao cinema e seriados, os dois amigos adicionam aos comentários reflexões sobre temas contemporâneos e históricos. E, diferentemente do modelo padrão na plataforma, em que o youtuber se dirige à câmera, o Quadro em Branco foca no conteúdo e na narrativa. Os dois curadores marcam presença apenas com as vozes – formato popular para ensaios em vídeo em canais estrangeiros, mas ainda raro no Brasil.
Entre os vídeos recentes, estão opiniões da dupla sobre o anime Aku no Hana e o seriado Jovens Titãs. Há ainda comentários sobre a importância do produtor e beatmaker no rap. Falam a respeito do que consomem no dia a dia.
– Talvez por isso tenha rolado uma identificação tão grande do público. Dá pra falar de temas importantes sem ser chato, e dá pra falar de temas leves sem ter medo de ser político também. O negócio é ter algo pra falar, que seja tanto pessoal quanto responsável com quem tá assistindo – diz Henrique.
Os pelotenses se conheceram na escola e contam que o canal no YouTube agora virou trabalho. Ambos preocupam-se em preservar a espontaneidade, considerada um marca registrada.
– Enquanto os primeiros vídeos foram totalmente despretensiosos, em certo momento o canal virou nossa responsabilidade mais importante e parte essencial da nossa rotina – afirma Otavio.
Hobby levado a sério tem financiamento coletivo
É por meio do financiamento coletivo na plataforma apoia.se/quadroembranco que os amigos mantêm o canal. Apesar da concorrência nas redes – segundo um relatório recente do YouTube, 35 horas de vídeos são enviadas ao site a cada minuto –, os jovens acreditam que o terreno é fértil para novas propostas de conteúdo.
– Acho que o formato ainda é muito jovem dentro da plataforma, tem coisas demais pra explorar. Tem gente começando agora, com umas ideias novas, e esse é um fôlego que o YouTube precisava tomar no Brasil. Então, o plano é continuar desenvolvendo a linguagem e tentar chegar em cada vez mais lugares, inclusive alguns que não costumam conversar entre si.
Uma das vantagens da plataforma é, segundo Otavio, não fazer distinção regional para recomendar vídeos aos usuários: a grande maioria da audiência é de outros Estados. Mesmo assim, Henrique acredita que o distanciamento do eixo Rio-São Paulo, que centraliza grande parte das produções e empresas audiovisuais, dificulta os contatos para entrevistas e participações em eventos:
– Apesar de a internet ser um espaço horizontal, a gente reconhece uma centralização no eixo em relação às questões que vão além da vitrine do YouTube. Dá pra construir algo interessante pela internet de qualquer lugar do Brasil, mas não dá pra dizer que oportunidades não são podadas por esse espaço geográfico.
Campeões de audiência
- O vídeo mais popular do canal gaúcho, até agora, com quase 900 mil visitas, fala sobre o desenho adulto Rick and Morty, que se passa em um universo com várias dimensões.
Henrique faz um paralelo com o conceito do super-homem de Nietzche.
-No top 10 estão tanto análises do projeto Check Mate, da cantora Anitta (em que a artista divulgou os clipes de Will I See You, Is That For Me, Downtown e Vai, Malandra) e da representação da depressão no mundo das artes.
-O terceiro vídeo mais visto é Eu Não Sei Definir quem É o Pica-Pau, com comentários sobre o famoso episódio em que o personagem de animação criado em 1940 por Walt Lantz vai a uma barbearia.
*Colaborou Mariana Bavaresco