No filme de terror "Um Lugar Silencioso", uma família tem medo de dar uma topada durante a noite.
O conto pós-apocalíptico se baseia na seguinte ameaça central: criaturas de audição apurada que atacam quando detectam ruídos. Vivendo isolados na floresta, um casal e seus filhos desenvolvem uma existência silenciosa para manter a ameaça à distância: andam descalços, se comunicam através de linguagem gestual e jogam banco imobiliário com peças de algodão.
Quando os personagens precisam manter a boca fechada para permanecer vivos, o projeto de edição de som pode ser bem inovador. Momentos de ansiedade são criados a partir dos mínimos rangidos de um piso, dos passos na areia ou até mesmo das batidas do coração. Ser inventivo com som e frequentemente com a ausência dele foi a ideia que impulsionou o diretor, John Krasinski, que também protagoniza o filme com a esposa, Emily Blunt.
"Vivemos em um mundo hoje com todos esses filmes, como os da Marvel, com muito som, muitas explosões. Gosto muito deles, mas há algo meio agressivo nesse barulho todo. Aí pensamos: 'E se conseguirmos eliminar tudo? Seria possível criar algo tão desconcertante, desconfortável e tenso?'", disse Krasinski durante uma entrevista em Nova York.
Para ajudar a tornar o silêncio assustador, ele trabalhou com os editores de som Ethan Van Der Ryn e Erik Aadahl, que têm experiência com o barulho ("Godzilla") e com o barulhão ("Transformers"), mas estavam interessados em pegar um pouco mais leve.
E criaram o que chamam de "envelopes de som", colocando o público na pele do personagem, para que ouçam as mesmas coisas, do mesmo modo. Quem mais se sentiu intrigada foi a jovem Regan, que é surda e foi interpretada pela atriz também deficiente auditiva Millicent Simmonds. Regan usa um implante coclear que lhe garante uma audição mínima; ela tem mais uma espécie de sentido físico de presença do que auditivo. Para isso, os editores resolveram reproduzir a sensação de uma câmara anecoica, um ambiente que absorve o som ao ponto em que tudo o que se consegue ouvir são os ruídos ampliados do seu próprio corpo. O envelope de Regan foi elaborado com um tipo de sensação baixa, abafada, pontuada pela suave batida de seu coração. Mas quando ela tira o aparelho auditivo, temos a experiência de um momento de silêncio completo na tela, uma ideia que Krasinski debateu com seus colegas.
"Ficamos imaginando se não seria um excesso, se o público não ia achar que era mais um experimento sonoro do que um filme". Mas ele se lembrou de uma conversa que teve com um executivo de marketing de outro longa, que achava que o maior equívoco em relação ao público era encará-lo como estúpido. "Decidi arriscar. Se estava preocupado em achar que o público talvez vão entendesse, então provavelmente estava fazendo a coisa certa'."
Certamente, "Um Lugar Silencioso" não é uma grande coleção de paisagens sonoras de vanguarda. Há elementos que os fãs de horror conhecem bem, como os altos sons de um susto e o choque ocasional da trilha sonora de Marco Beltrami, mas o filme é um pouco diferente.
Por exemplo, quando as criaturas aparecem, se comunicam através de cliques. "Porque são cegas, nos inspiramos na ideia de usar a ecolocalização, como os morcegos. Por isso, elas têm uma assinatura vocal de sonar, o som que enviam para o espaço para ouvir os reflexos ao seu redor", disse Van Der Ryn por telefone.
O som de feedback, como aquele em um show quando um microfone fica muito perto do amplificador, é usado na história. Sua característica desagradável é algo que os profissionais da área normalmente tentam evitar, por isso sua inclusão acabou sendo meio que um desafio.
"Tínhamos umas 100 versões diferentes; as primeiras que criaram faziam a gente querer vomitar. Aí veio aquele longo processo de ajuste", contou Krasinski. Depois de passar por trechos específicos do som com o diretor, os editores criaram uma mistura personalizada de feedback que não chegava exatamente ao nível de sonoridade doentia, mas, mesmo assim pode fazer a audiência se encolher, testando até onde consegue suportar.
"Tivemos tanto espaço negativo no filme, em termos de tranquilidade e silêncio, que sentimos que havia a oportunidade de usar tudo que queríamos", disse Aadahl.
O set era mesmo tranquilo? Os momentos frequentes de silêncio do filme acabaram determinando o modo em que as coisas foram conduzidas durante as filmagens, mas não no início. Antes da produção, Krasinski não deixou muita gente ler o roteiro, do qual divide os créditos com Bryan Woods e Scott Beck. A equipe ficou sabendo que era um filme silencioso e presumiu que uma trilha sonora seria usada quase que o tempo todo, ou que todo o som seria adicionado na pós-produção.
"Pois é, durante quatro ou cinco dias, foi a equipe mais barulhenta que eu já tive", contou Krasinski.
"Mas aí, percebemos como tudo precisava ser silencioso. Tipo, não, você não pode se mover, literalmente, porque precisamos do tom do ambiente, da brisa entre as árvores, precisamos do milho, precisamos do celeiro. Não foi assim, 'Ah, vou adicionar um celeiro mais tarde.' E em vez de a equipe se incomodar com o fato de não ser capaz de levar uma vida normal no set, todos de fato adoraram a ideia. Sabiam que íamos fazer algo especial'."
Por Mekado Murphy