Criado dentro do Departamento de Artes Dramáticas da UFRGS para pesquisar as representações e a representatividade dos negros nas artes, o Grupo Pretagô de Teatro celebra quatro anos de existência com uma missão: revitalizar a memória negra da cidade.
— A gente se inspira nas nossas próprias histórias, nas nossas próprias ancestralidades, nos nossos avós, nos nossos bisavós, nas nossas culturas, nas oralidades presentes nas nossas famílias, para construir a nossa dramaturgia. Partimos das nossas histórias para falar de histórias que são comuns em todo o mundo – explica Thiago Pirajira, diretor artístico do coletivo de artistas negros que estreou em 2014 com o espetáculo Qual a Diferença Entre o Charme e o Funk? e que, a partir desta sexta-feira (20), passará a ocupar o Boteco do Paulista (Rua Riachuelo, 230).
Inicialmente apenas um ponto de encontro conveniente – dada a proximidade da residência de Pirajira –, o bar no centro histórico acabou se revelando a escolha certeira para o projeto:
— O cruzamento, a geografia, a arquitetura, me lembravam muito pontos boêmios do Rio de Janeiro, como a Lapa. Depois, pesquisando a história do bairro, fui me dar conta de que, mais do que parecer essa "zona negra" do Rio de Janeiro, essa também era uma região habitada pela população negra em Porto Alegre – conta o diretor do coletivo.
O estabelecimento fica em frente à Praça Júlio Mesquita (também conhecida como Praça do Aeromóvel), onde funcionou, até a década de 1960, um presídio que, segundo o arqueólogo Alberto Tavares, provavelmente foi estruturado por mão de obra escrava, ainda durante o período imperial. Ponto de referência na cidade, a cadeia chegou a abrigar mais de mil detentos – a maioria deles negros que, sem oportunidades de emprego após a abolição da escravatura, acabavam sendo considerados vadios e, consequentemente, encarcerados pelo que, na época, era considerado um crime.
Tais coincidências levaram Pirajira a oferecer ao proprietário do bar uma parceria. Praticamente falido, Gelson Soares aceitou e, desde 2015, o grupo realiza ali seus encontros e apresentações, aumentando a circulação de pessoas no local. Mas foi só neste ano que decidiram formalizar a ocupação, afirmando o lugar como um espaço criativo do grupo Pretagô e lançando a programação.
– A ideia é que o grupo Pretagô leve uma vez por mês, sempre com contribuição espontânea no chapéu, uma atração cultural ao Boteco do Paulista, que a gente também apresenta para a cidade como um novo espaço possível para apresentações artísticas, tendo em vista esse contexto em que a gente se encontra, de cada vez mais sucateamento dos espaços artísticos-culturais da cidade.
Quem abre a programação da Ocupação Pretagô é o escritor Akins Kintê, que vem de São Paulo para lançar o livro de poesia erótica InCorPoros – Nuances de Libido, co-escrito com Nina Silva, no Sarau Pretagô, que será realizado nesta sexta-feira (20), a partir das 19h, no Boteco do Paulista (Rua Riachuelo, 230).
– Estamos trazendo um novo olhar, uma nova reflexão, para pensar uma cena que não seja homogênea e que não seja só hierarquicamente colonizadora, no sentido de pensarmos sempre as referências artísticas como as europeias. Nós somos latinos, temos a experiência da nossa própria cultura, que é a cultura do Carnaval, da festa, da celebração. É nessas fontes que a gente bebe para repensar uma nova cena, a partir da nossa personalidade e da nossa própria cultura brasileira.
OCUPAÇÃO PRETAGÔ
Apresentações mensais do coletivo de artistas negros no Boteco do Paulista (Rua Riachuelo, 230). Entrada gratuita com contribuição espontânea no chapéu.
20 de abril, às 19h
Sarau Pretagô com Akins Kintê (SP)
11 e 12 de maio, às 20h
Espetáculo Noite Pretagô
8 de junho, às 19h
Stand-up comedy Pretagô
13 de julho, às 19h
Cine Pretagô – exibição dos curtas-metragens Kbela, de Yasmin Thayná (RJ), e Elekô, do Coletivo Mulheres de Pedra (RJ), com debate com a produtora Monique Rocco (RJ).
10 de agosto, às 20h
Show de Gilberto Oliveira e banda
11 de agosto, às 20h
Espetáculo Noite Pretagô