Quando eu era pequeno, aterravam-me as grandes catástrofes. Carl Sagan caminhando por uma praia pálida, tendo ao fundo o último dia em que o sol, já então uma estrela morta, brilharia sobre a Terra. Ou o inverno nuclear naquele filme O Dia Seguinte. O terror individual, com suas motosserras e facões, entediava-me. Eu nunca andaria mesmo por cemitérios, castelos góticos ou campings americanos. Um novo meteoro, como o que teria extinguido os dinossauros, isso era diferente. Minha mãe conta que certa feita me pegou chorando diante de um Globo Repórter que projetava a guerra total entre Estados Unidos e União Soviética. Devia ser o medo do menino com a ideia do fim. Ou quem sabe, tudo considerado, com um evento que se abatesse sobre todos de uma só vez, e não aos poucos, como o adulto viria a descobrir, em implosões controladas, cruelmente incapazes de produzir o caos, como a morte de Carl Sagan, o desmantelamento da União Soviética, a consumição de meus familiares. Por vezes, penso que só o Globo Repórter, há muito convertido em estripulias de bichinhos e lugares paradisíacos, com um holográfico Sergio Chapelin, resistirá a todos nós.
De certo modo, nos dias de hoje, a ecologia ocupou o lugar das bombas de hidrogênio, mas tenho a impressão de que o aquecimento global já não nos abala de todo, com suas promessas de sauna e derretimento. Como quer que seja, não consigo imaginar crianças chorando à subida de frações de graus a cada ano. É o problema também com o terrorismo. Seus eventos esparsos de violência fazem tremer as crenças modernas, mas entre elas também a de um combate clássico à escala de um Armagedão. Tudo parece suspenso, tudo parece estar destinado a permanecer nas nuvens digitais. E isto, de um modo estranho, é frustrante. Sei que parecerá paradoxal dizer que desejamos o que tememos, que espero pelo que temia o menino em mim, mas como Frank Kermode bem aponta em The Sense of an Ending, o fim apocalíptico seria a única maneira de nos dispensar do fim individual, porque somente a nós seria dado o encerramento negado a todos os profetas e gentes humanas que por aqui antes passaram.
Esta é uma crônica sobre como uma grande obra pode explicar o que sentimos.
Ainda que muito custe aceitar