O Titanic, vocês sabem, era o navio que nem Deus poderia afundar. Mas tinha uma pedra de gelo no meio do caminho, e o maior transatlântico do mundo partiu-se em dois na madrugada de 15 de abril de 1912, ceifando 1.517 vidas.
Não à toa, essa história foi incorporada por manuais que ensinam a gerir negócios, pois ilustra tão tragicamente bem alguns dos grandes pecados de gestores, como a arrogância, o excesso de ambição e o zelo com a estética em detrimento do que é substancial, além de se constituir de uma sucessão de falhas e decisões equivocadas.
Leia mais
"A noite em que Ana Paula Padrão destrinchou um concorrente do 'MasterChef profissionais'"
"No 'MasterChef profissionais', torta de limão rima com eliminação"
"Quero que o João chegue à final do 'MasterChef profissionais'. E perca"
Pensei no Titanic ao assistir a MasterChef profissionais nesta terça-feira. Vi Dayse como o iceberg no caminho de Ivo, Dário e Marcelo. Enquanto os rivais se acham escolhidos por Deus (uns mais, outros menos, mas vocês entenderam meu ponto), ela fica ali no seu cantinho, sólida como a pedra que derrotou o navio.
Dayse é a filha que o Cristiano, do MasterChef Brasil 2, e a Gleice, da terceira temporada, nunca tiveram. Como o agente de trânsito baiano, parece não ter muita técnica, mas sabe fazer comida saborosa; como a estudante paulista, joga com certa humildade e é menosprezada pelos demais competidores – escancaradamente. Na abertura do episódio, Ana Paula Padrão perguntou aos cinco finalistas quem era o candidato menos temido. Quatro votaram em Dayse.
Pois bem. Acabou sendo a primeira a subir para o mezanino.
Venceu uma prova em que, em tese, pelo menos outros três concorrentes (Ivo, Dário e Marcelo) eram favoritos, por terem mais experiência com alta gastronomia – a da caixa misteriosa de luxo, contendo ingredientes como kobe beef, vieiras, caviar, foie gras, alcachofra e champanha. A chef Paola chegou a duvidar da capacidade de Dayse na tarefa. Disse que, assim como ela, a competidora paulista ficava mais à vontade em uma cozinha mais rústica. Mas Dayse, com seu kobe beef e foie gras sobre alcachofra, não apenas se livrou da prova de eliminação como arrancou um senhor elogio de Érick Jacquin:
– Isso aqui é a perfeição do clássico.
Enquanto isso, Marcelo recebeu críticas por servir um prato gorduroso demais e em que, como disse o jurado francês, havia "coisas demais acontecendo".
– A simplicidade é o luxo do luxo – sentenciou Jacquin.
Enquanto isso, o mar de caviar feito por Dário virou sertão.
– Assassinou as ovas? _ brincou Fogaça.
– Você tirou a essência do caviar – lamentou Paola.
– Eu adoro caviar. Se me perguntassem o que eu queria comer antes de viajar para lá (apontando para cima), eu diria: uma lata de caviar. Mas isso aqui? Está muito ruim. O que passou pela sua cabeça? Como você faz uma coisa dessas? – detonou Jacquin.
Não foi a primeira nem a segunda vitória de Dayse. Estou aqui para lembrar vocês: ela vem acumulando triunfos.
11/10 – Derrotou seu ex-chefe, Ivo, na prova do arroz de bacalhau;
25/10 – Na prova da caixa misteriosa da xepa, ficou entre os três melhores;
1º/11 – Com João, o Insuportável, ganhou o desafio da obra de arte gastronômica;
8/11 – Venceu a prova da desconstrução da torta de limão;
15/11 – Com Ivo e Dário, venceu a batalha de cinco rounds do cordeiro.
Do mezanino, Dayse assistiu à segunda prova, que salvaria mais um concorrente: fazer um ovo meurette. Ninguém sabia do que se tratava (muito menos eu). É um ovo poché no ponto certo com molho de vinho tinto, cenoura, bacon e champignon. Ivo ganhou e juntou-se a sua ex-pupila.
A prova de eliminação foi o pesadelo dos competidores: sobremesa. No caso, suflê de chocolate. O suflê com caramelo de chocolate branco de Marcelo surpreendeu os jurados pelo sabor, mas não cresceu. Fádia preparou dois, só que o de chocolate assou demais e ficou doce, e o de frutas vermelhas não era suflê de fato. Dário errou feio ao misturar as claras com manteiga, mas graças a Fádia, que emprestou novas claras, conseguiu cumprir a prova. Ou quase: apenas nas bordas sua sobremesa tinha cara e consistência de suflê.
Os jurados ficaram desapontados com os pratos, uma prova nivelada por baixo.
– Nenhum fez suflê – criticou Paola.
Dário, pelo paladar, foi eleito o melhor. Quem iria embora? A impávida Fádia ou o nervosíssimo Marcelo? Era um duelo entre a discrição e o espalhafato – Marcelo é desengonçado, me dá uma aflição quando ele começa a sacudir aqueles braços, fala sozinho pra caramba (ou pior, fala com o fogão: "Se queimar de novo, vou te matar!", ameaçou na terça-feira). Achei que, se o mandassem embora, ele voltaria para casa num caixão, pois teria enfartado. Mas foi Fádia a eliminada. Na sua despedida, fiquei tocado quando ela se corrigiu ao falar com Ana Paula ("Saio feliz por ter chegado entre os cinco melhores, os cinco finalistas, vamos dizer assim"), lembrando que modéstia e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Agora é Dayse contra eles, o iceberg contra o Titanic. Quem sobreviverá?