Entre as propostas do pacotão do governo estadual, a ser votado pela Assembleia, está a extinção da Fundação Piratini, o que, na prática, significaria o fim da TVE e da FM Cultura, com a demissão de centenas de funcionários. A justificativa é contábil, pode ser visualizada em planilhas de cálculo e depois exposta em apresentações com gráficos multicoloridos para a imprensa. A lógica econômica liberal, que pede um estado mínimo e competitividade máxima, varre o mundo, passa pelos Estados Unidos e leva o Brasil para um momento de reavaliação tão radical quanto perigoso. Decide-se o futuro de seres humanos, e das suas criações mais sublimes, a partir de números frios e impiedosos.
O problema com a cultura é que ela não cabe nas planilhas de cálculo. Quanto vale um programa de uma hora dedicado aos artistas gaúchos? Quanto vale a música inédita de uma banda nova veiculada numa rádio ouvida por milhares de formadores de opinião? Quanto vale a integração de uma emissora estadual em editais federais que estimulam a produção audiovisual, permitem a renovação estética, injetam recursos e dão empregos? Quanto vale um telejornal que prioriza questões próximas de seus espectadores, em vez de reproduzir – mal – o que dezenas de outros canais falam sobre o mundo? Com o fim da TVCOM, perdeu-se importante canal de diálogo comunitário. Com o fim da TVE, anuncia-se a derrocada definitiva das conversas da aldeia.
Em 1984, a TVE produziu um vídeo de uma canção dos Replicantes, chamada Princípio do nada, que proclamava: "Bom mesmo é tocar na garagem". Em 1985, a mesma TVE realizou um clip da música Surfista calhorda, que no mesmo ano foi sucesso nacional e fez o Brasil aprender um pouco mais sobre o sotaque gaúcho. Vinte e seis anos depois, com Os Replicantes ainda vivos e quicando, quanto vale – em retrocesso cultural – exterminar uma fundação que contribui para o crescimento de muitos outros artistas, de todos os estilos? Se a Assembleia não barrar essa ideia estúpida e reacionária, perdem todos os gaúchos, menos, é claro, aquele que tem duas surf shops que só abrem ao meio-dia, vive da herança milionária de uma tia e vai pra Nova York estudar advocacia.