Praticamente tudo o que se vê em O lar para crianças peculiares já foi visto em dezenas de filmes recentes, inclusive assinados pelo próprio diretor Tim Burton: adaptação de um livro infantojuvenil de muito ou, no caso, relativo sucesso; um jovem protagonista que descobre ser possuidor de um dom especial que o capacita para ser o herói da aventura; viagem pelo tempo; crianças e adolescentes com poderes extraordinários abrigadas por um tutor igualmente fenomenal; pitadas de romance; criaturas esquisitas; e um vilão espalhafatoso para tocar o terror.
O lar para crianças peculiares tem como matriz o livro Orfanato da srta. Peregrine para crianças peculiares, primeiro título da trilogia escrita pelo americano Ranson Riggs, lançado no Brasil pela editora Leya – o segundo volume é Cidade dos etéreos e o terceiro chama-se Biblioteca de almas.
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A trama acompanha a jornada do adolescente Jake (Asa Butterfield, de A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese) para encontrar o universo mágico descrito por seu avô (Terence Stamp) em histórias que ninguém, além do rapaz, acredita. Acompanhado pelo pai, que planeja a viagem como uma terapia para o introvertido filho, Jake chega a uma aldeia do País de Gales. E ali procura o orfanato em que o avô viveu e conviveu com crianças e jovens de fato peculiares: entre outras, a menina que domina e manipula o ar e precisa de botas de ferro para manter-se no chão, a garota que transforma em chamas tudo o que toca, o pirralho invisível, o que projeta seus sonhos em uma tela, a que tem a boca na parte de trás da cabeça, a que tem força inversamente proporcional a seu tamanho e o que ressuscita mortos.
Jake, porém, descobre que do orfanato restam apenas ruínas. O local foi destruído em 1943 por um bombardeio alemão na II Guerra. Vasculhando entulhos, encontra essas figuras por meio de um fenda temporal, passagem que lhe é permitida porque também ele é de uma linhagem especial de superdotados. E lá no passado Jake se vê hospedado pela afetuosa e rigorosa diretora do abrigo, a senhorita Peregrine (Eva Green), que manipula o tempo e é capaz de se transformar em pássaro. A missão de Jake será ajudar Peregrine a enfrentar o diabólico Barron (Samuel L. Jackson, no registro histriônico recorrente) e seu exército de criaturas medonhas, que precisam devorar olhos de gente para recuperar a condição humana.
Esse universo fantástico habitado por pessoas fora dos padrões é a praia de Burton, mestre em apresentar personagens socialmente deslocados como as crianças da senhorita Peregrine em fábulas sombrias com um requinte visual de cair o queixo. Mas Burton aqui pouco lembra o diretor de joias como Fantasmas se divertem (1988), Edward mãos de tesoura (1990), Peixe grande e suas histórias maravilhosas (2003) e A noiva cadáver (2005), filmes com enredos que aparecem diluídos em Lar para crianças peculiares. Nenhum problema em reciclar o já visto a partir de ideias suas ou de outros, pois está aí Quentin Tarantino para mostrar ao colega que é sempre possível ser original fazendo mais do mesmo. Lar para crianças peculiares é protocolar em suas ambições, talvez um pouco assustador para os pequenos e um tanto sem surpresas para os mais crescidos. E desta vez nem dá para dizer que o problema de Burton é Johnny Depp atuando no piloto automático.