Grandes filmes já ressaltaram a importância da imprensa como o quarto poder de um Estado democrático, pilar essencial para que Legislativo, Executivo e Judiciário tenham suas ações acompanhadas de forma transparente pela sociedade. Em cartaz a partir desta quinta-feira nos cinemas, Spotlight - Segredos Revelados se coloca entre esses grandes filmes reproduzindo uma história real que abalou as estruturas de outra sólida instituição, a Igreja Católica, em 2002, quando uma série de reportagens expôs crimes sexuais cometidos ao longo de décadas por padres da cidade americana de Boston. Tema, aliás, que segue causando desconforto ao Vaticano.
Com direção de Thomas McCarthy (dos bons O Agente da Estação e O Visitante), Spotlight usa em seu título o nome do grupo de jornalismo investigativo do The Boston Globe, um dos mais importantes jornais dos Estados Unidos. É uma equipe dedicada às reportagens de grande fôlego, que exigem tempo de apuração, recursos financeiros e independência de atuação. A Spotligh foi responsável, por exemplo, pela revelação das nebulosas ligações do mafioso James "Whitey" Bulger com o FBI, nos anos 1990, história vista recentemente no filme Aliança do Crime, com Johnny Depp.
Em 2001, uma troca de comando na redação colocou Marty Baron (vivido por Liev Schreiber) como editor-chefe do Boston Globe - desde 2012, ele comanda o Washington Post. Em uma de suas primeiras ações, Baron fez o jornal voltar ao caso de abusos sexuais cometidos por religiosos locais, assunto até então tratado sem maior profundidade por um somatório de razões: ações legais sob sigilo da justiça, vítimas receosas da exposição pública, acordos de indenização feitos à margem dos tribunais e, sobretudo, a enorme influência da Igreja Católica nas diferentes esferas do poder em Boston - a cidade do Estado de Massachusetts, Leste dos EUA, tem expressiva herança cultural e religiosa dos imigrantes irlandeses.
Quatro jornalistas da Spotlight abraçaram o caso: Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Matt Carroll (Brian dArcy James) e Walter V. Robinson (Michael Keaton), coordenador do time calejado em farejar histórias que muitos querem manter escondidas.São profissionais que combinam experiência e múltiplos talentos, da azeitada rede de contatos ao ímpeto do bom detetive, da habilidade para interpretar e organizar dados ao sangue-frio para lidar com a pressão de gente poderosa.
Ao longo daquele ano, os repórteres vasculharam montanhas de arquivos, procuraram vítimas que buscaram o ananonimato e cruzaram uma enormidade de informações para montar um painel aterrador: cerca de 90 padres envolvidos em abusos sexuais de crianças tiveram seus crimes abafados com punições protocolares. Mais do que atos isolados de "maçãs podres", como justificava a Igreja, as reportagens publicadas a partir de janeiro de 2002 destacaram os abusos como prática sistemática contra jovens de famílias humildes que enxergavam no pároco da vizinhança, a quem ajudavam como coroinhas e em pequenas tarefas, uma figura de proteção física e conforto espiritual.
Em 2003, o trabalho da Spotlight foi consagrado como o prêmio Pulitzer "por sua cobertura corajosa e abrangente e pelo esforço que rompeu sigilos, enfrentou reações local, nacional e internacional e produziu mudanças na Igreja Católica Romana".
A segura direção de McCarthy e o ótimo desempenho do elenco - que inclui ainda Stanley Tucci como advogado das vítimas e John Slattery no papel de um veterano editor do Globe - dão grande estofo dramático a Spotlight. No ritmo de um bom thriller, o filme destaca o impacto da reportagem nas vidas dos jornalistas e das vítimas que carregam na vida adulta cicatrizes psicológicas profundas de quem teve, quando criança, a fé e a inocência profanadas pelos padres pedófilos. Spotlight também renova no cinema a figura romântica jornalista-herói, aquele tipo abnegado que encara a luta pela verdade, pela justiça e pelo bem comum como inabalável missão de vida.
No próximo domingo, Spotlight concorre em três importantes categorias do Globo de Ouro: melhor filme em drama, direção e roteiro. Já foi eleito o melhor filme de 2015 pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos EUA, entre outros prêmios que ganhou na temporada que deve culminar com indicações ao Oscar.
Outro filmes sobre o tema
As Duas Faces de Um Crime (1996)
Jovem coroinha (Edward Norton) é acusado de assassinar um arcebispo. Seu advogado (Richard Gere) traz ao caso o histórico de perversões sexuais do religioso. Direção de Gregory Hoblit.
Má Educação (2004)
Cineasta (Fele Martínez) é procurado por homem (Gael García Bernal) que diz ser o amigo com quem estudou em colégio católico que tinha padre pedófilo como professor. De Pedro Almodóvar.
Dúvida (2008)
O cenário é uma escola católica onde a rígida diretora (Meryl Streep) trava um embate psicológico com um padre (Philip Seymour Hoffman) suspeito de ter abusado de um aluno. De John Patrick Shanley.
O Clube (2014)
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2015, o longa chileno se passa em um retiro onde são confinados religiosos acusados de crimes como pedofilia. De Pablo Larraín.