Quentin Tarantino já ganhou dois Oscar de roteiro original (por Pulp Fiction e Django Livre), mas é Os Oito Odiados que sintetiza os preceitos de seu cinema de maneira mais enxuta – e, talvez, mais bem estruturada.
Paradoxalmente, o filme que entra em cartaz nesta quinta-feira após uma semana de sessões de pré-estreia é o mais longo que ele já realizou – se dividirmos o projeto Kill Bill (2003) em dois, coisa que o próprio cineasta não fez ao apresentar o novo título como o oitavo de sua carreira.
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Distante de parceiros como Robert Rodríguez, Tarantino tem assinado filmes mais, na medida do possível, maduros. O gosto pela violência gráfica, pelo pastiche e por um humor deliciosamente irresponsável seguem presentes. São centrais em seus trabalhos, como se, em determinados momentos, tudo convergisse para isso. Entretanto, diferentemente do que se viu de Cães de Aluguel (1992) a À Prova de Morte (2007), com algumas exceções, não são limitadores para abordar questões, digamos, sérias.
Em suas fábulas históricas reparadoras, Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012) já falavam de temas como a escravidão e os abusos do poder com mais estofo. Os Oito Odiados é igualmente inquisidor e ainda mais complexo ao abordar as relações sociais em um ambiente de dominação e sufocamento das minorias – os EUA dos anos posteriores à Guerra Civil do país (1861 – 1865).
A narrativa se molda em apenas dois cenários – uma estrada coberta de neve no Wyoming nos dois primeiros atos, o armazém que serve de refúgio do mau tempo no desfecho –, centrando o foco na construção de personagens que conformam um microcosmo social riquíssimo.
O reencontro de dois homens que estiveram em lados opostos na guerra (o general conservador vivido por Bruce Dern e o major negro interpretado por Samuel L. Jackson), por exemplo, rende um dos melhores diálogos que o diretor e roteirista já escreveu e filmou. A relação do personagem de Jackson com o ex-presidente Abraham Lincoln (1809 – 1865) é, também, uma das grandes sacadas de Tarantino. Parece uma piada tola, mas contém uma carga de significados típica do humor mais requintado.
Tudo é mais sutil e refinado em Os Oito Odiados – menos o banho de sangue, é claro. Se há algo que pode incomodar o espectador é a duração dos dois primeiros atos, que são um tantinho arrastados, e alguma repetição de estilo, sobretudo na comparação com o longa anterior – Django Livre é igualmente um faroeste. Dado que o novo longa constitui uma versão aperfeiçoada das proposições de Django (que não é tão fechado em seu roteiro; contém inclusive um "final antes do fim", que caracteriza um anticlímax), pode-se dizer que houve significativa evolução.
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A propalada lentidão da trama, traço marcante de toda a filmografia de Tarantino, adquire no ambiente do faroeste um significado extra – faz lembrar o western spaghetti já referenciado em Django, que ensinou que o melhor da ação, às vezes, é esperar por ela. Se tédio é ausência de ideias, pode-se dizer que Os Oito Odiados é o oposto disso.
Nas sequências do armazém, quando aqueles grandes personagens se encontram, há referências não exatamente usuais ao universo do diretor. Uma delas a O Enigma do Outro Mundo (1982), filme de John Carpenter também protagonizado por Kurt Russell com trilha do mesmo Ennio Morricone dos faroestes spaghetti que agora é parceiro habitual do diretor de Os Oito Odiados. Em Tarantino, devido à incorporação cada vez mais ampla dessas citações, o prazer cinéfilo se multiplica, alcançando um nível inigualável no cinema contemporâneo.
Os Oito Odiados
(The Hateful Eight)
De Quentin Tarantino.
Com Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, James Parks, Walton Goggins e Demián Bichir.
Faroeste, EUA, 2015, 168min.
Cotação: ótimo.