Um dia depois da indicação de O Menino e o Mundo ao Oscar de animação, o diretor Alê Abreu deu, na sexta-feira, sua primeira coletiva no Brasil.
– Nunca reuni tanta gente para uma entrevista.
É o efeito Oscar, marcado para 28 de fevereiro. Em janeiro de 2014, Alê esteve em Porto Alegre divulgando a estreia do filme, que teve lançamento discreto no circuito e, naquele ano, somou 34 mil espectadores no Brasil.
O Menino e o Mundo já ganhou 44 prêmios internacionais e, como se trata da idade do diretor, pode-se dizer que já emplacou um prêmio para cada ano da vida dele. O Oscar, quando ou se vier, será o 45º. Pode parecer excessivo pensar tão grande, pois concorre com a gigante da animação, a Pixar. Entre os filmes indicados, está Divertida Mente, que, tudo indica, será o vencedor. Alê reconhece a força da Pixar, mas, nesse caso específico, acha Divertida Mente bom, não ótimo, e isso já antes de estar na mesma disputa. Sua distribuidora nos EUA – a Gkids – já lhe enviou um e-mail com uma extensa programação de coisas que terá de fazer.
– Para o pessoal da Gkids, o mais difícil já foi atingido, que é chegar entre os cinco – conta.
E ele acrescenta que fez tudo direitinho, como sempre:
– Meu primeiro longa, O Garoto Cósmico, já tinha recebido três prêmios. E foi um ato de amor, como O Menino. Não imaginava que o filme fosse ganhar em Annecy. Um ano antes, o Luis Bolognesi venceu o festival com Uma História de Amor e Fúria, e isso criou uma expectativa favorável. Depois que O Menino venceu os prêmios do júri e do público em Annecy, tenho certeza de que neste ano haverá uma expectativa muito grande pela participação brasileira.
Quando da indicação ao Oscar, um influente jornalista da área de cinema, ao fazer sua crítica positiva de O Menino, acrescentou: “Atenção, Pixar, chegou a zebra do prêmio.” Pode ser mera coincidência, mas, quando a Gkids programou uma sessão de O Menino no começo de dezembro, em Los Angeles, a Pixar promoveu um evento de última hora para roubar o público da animação concorrente.
Alê Abreu não se incomoda com as comparações, quer apenas continuar fazendo suas animações, acreditando que animador já é uma profissão no Brasil. Mas, ressalva, ainda é uma atividade de sonhadores que vão colocando o pé no chão, em contato com a realidade.
Em um comunicado no Facebook, Alê fez seus agradecimentos: “À equipe, ao cinema brasileiro, à Ancine e às políticas que possibilitaram a realização de um filme independente, sem qualquer demanda de mercado, e à Gkids, que levou o filme aos EUA e batalhou muito por nós. Nosso filme nasceu como um grito sincero, de liberdade, de amor, um grito político, latino-americano. Mas, sobretudo, um grito contra o sufoco que a grande indústria cria aos potenciais artísticos, poéticos e de linguagem da animação. E acho que esse grito ecoou onde precisava ecoar. É um momento importante no qual filmes de animação mais autorais concorrem ao prêmio maior da indústria de cinema.”
Seu próximo longa, Os Viajantes da Floresta Encantada, será uma parceria com a empresa Buriti, de Laís Bodanzky e Luis Bolognesi.
– Assim pode ser que eu consiga me concentrar só na parte criativa. Tive de trabalhar como produtor de O Menino e isso consumiu muita energia. Toda a equipe teve de se desdobrar em múltiplas funções.
Por falar em processo criativo, não se pode comentar O Menino sem destacar a paleta lisérgica de cores de Alê. Como ele cria essa paleta?
– De forma intuitiva. O filme divide-se em 40 sequências, cada uma tratada como verso de um poema. E cada uma tem a sua cor. Não são cores primárias, como as do Garoto Cósmico. São mais nuançadas, impregnam-se mais. Você tem razão, é uma paleta lisérgica, e eu me orgulho muito dessa escolha.