Certos compositores de música de concerto são osso duro de roer. Fazem música difícil de ouvir porque exigem mais atenção do que o ouvinte está disposto a dar. A música de concerto está cheia deles, esses ossos de difícil mastigação. Um deles é o austríaco Alban Berg, que morreu na véspera de Natal de 1935, há redondos 80 anos. Mais velho ele ficava, mais intratável ficava a música, talvez em resposta aos tempos que corriam, bem turbulentos. Nada que não se possa ouvir com algum esforço - ou talvez com bem mais do que algum esforço.
Celso Loureiro Chaves: Permanências
Alban Berg morreu por causa da picada de um inseto. Morreu, mas teve uma vida interessantíssima depois da morte. Até que a viúva também se fosse, a biografia parecia típica de um compositor. Teve sucessos e fracassos, só divulgou o que quis, deixou para trás o mistério de uma ópera incompleta. Depois da morte de Helen Berg, começaram a surgir cartas, documentos, partituras secretas, revelações variadas. Não apenas tinha existido um caso dele com uma mulher casada, caso transgressor até para aqueles tempos, mas a paixão tinha sido sublimada em música cheia de mensagens cifradas.
De repente, coisa de quarenta anos atrás, Alban Berg se transformou em outro, de mãos dadas com Hanna Fuchs, que ele mesmo chamava de "minha amada imortal...", para lembrar Beethoven. Uma das suas obras mais amadas, a Suíte Lírica, afinal era isso mesmo - uma mensagem de amor, derramada e caudalosa como a correspondência entre os dois amantes. No início, o tratamento era respeitoso, até distante. Com o tempo, não havia mais limites a observar, e as cartas se transformaram em romances.
Celso Loureiro Chaves: "Recompor"
E, paixões sendo o que são, nem o intratável Berg conseguiu escapar de coisas como: "...e o teu doce nome, minha Hanna! Nessas cinco letras, toda ternura e tristeza destes últimos cinco anos parecem unidas - unidas como as cinco letras daquele que traz o amor para sempre na alma: Alban".
Ah, as paixões. Sabendo delas, somos obrigados a ouvir a música de outra maneira. E, subitamente e décadas depois, os compositores surgem mais vivos do que pareciam ter sido em vida.