Feira do Livro é tempo de discutir literatura, de comprar livros e de ouvir. Ouvir as palestras e oficinas, mas também de ouvir a própria Praça da Alfândega em ebulição. Com isso em mente, ZH passeou pelos corredores escutando fragmentos de conversas em frente aos estandes, no vaivém do público. Muitos tinham o livro como pretexto. Outros, com a literatura apenas tangenciando diálogos ricos de humor e espontaneidade
As duas senhoras, aparentando mais de 50 anos, caminham pela Feira até parar em uma banca lotada de gente na Rua da Praia. Enquanto esperam a muvuca amenizar, uma aponta a mão elegante para um exemplar da biografia de Mick Jagger escrita por Marc Spitz, o que desperta de imediato a curiosidade do repórter que "espicha a orelha" para tentar ouvir o que falam.
- Parece que esse aqui tem um filho com a Luciana Gimenez.
- Sério? Bá, Deus o livre, que homem mais feio.
- Mas tem dinheiro, né? Se fosse pobre, ela não ia.
A banca agora tem menos gente e a mesma mulher que apontou o livro se dirige ao livreiro:
- O senhor tem aí o livro Campereada?
Não tinha, mas essa é uma amostra de um dos grandes baratos de visitar a Feira com tempo: ouvir retalhos de conversas e comentários inusitados. Há quem aprenda coisas novas, como o casal na banca da L&PM. O rapaz puxa do balcão um exemplar de O Carro do Povo, história do Fusca escrita por Bernhard Rieger e mostra para a moça:
- Olha esse.
- Fizeram um livro sobre o Fusca?
- Sim, e Vokswagen significa "carro do povo". Tu sabia disso, né?
- Mesmo? Não, não sabia. Tu vê.
Os corredores também são para discutir literatura a sério, como os dois amigos no corredor da Rua da Praia, um deles explicando eloquentemente:
- E aí a última frase do livro é em primeira pessoa. E aí tu descobre que o narrador em terceira e o narrador em primeira são o mesmo, e que até ali naquele ponto ele não narrou em primeira pessoa por vergonha. Gostei muito desse tuíste.
Repare também nas duplas de amigos às beiras das caixas de saldos. Como leitores e amigos que são, costumam partilhar momentos de bom humor espirituoso, como os dois jovens muito magros na caixa da banca da Vozes. Um deles retira uma volumosa caixa que reúne três livros e praticamente atira contra o outro:
- Ó, toma, esse livro é pra ti: História da Virilidade.
- Rárá. Vamos ver que obra é essa.
Enquanto o amigo de fato se perde na leitura do texto de apresentação, o outro continua.
- Olha, não sei não, mas essa editora aqui tá me cheirando bem. Tem Sade, tem Jung, mitologia...
O bom humor pode ser também uma troca conjugal nos caminhos da Praça. Um rapaz e uma moça chegam de mãos dadas ao balcão da Ladeira Livros. Percorrem com o olhar as obras expostas até que ela estica a mão e puxa um volume soltando um animado "Olha isso aqui!". É um exemplar de Poesia Vaginal, com "sonetos sacanas" de Glauco Mattoso, grande cultor brasileiro da forma. Folheiam o livro, aos risinhos abafados, leem um ou dois poemas, passando o dedo pelas linhas, até que ele estica o braço e pega outro volume de capa amarela.
- Tu devia comprar e fazer um combo com esse outro aqui - diz, erguendo o exemplar da edição portuguesa de A Caverna, de José Saramago.
- Abobado - responde ela, batendo afetuosamente em seu braço.
Ouça a Feira e você vai encontrá-los: os sérios, os teóricos, os abobados. Preste atenção e a Praça falará com você.