Sebastián Marroquín tem um olhar tenso e quase nunca sorri. Filho do maior traficante de drogas da história, viveu até a morte do pai, em 1993, entre tiros e bombas, primeiro mergulhado nos milhões de dólares que o tráfico rendia a Pablo Escobar, depois escondido para não ser alvejado pelo exército de inimigos espalhados pela Colômbia.
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Autor da biografia Pablo Escobar - Meu Pai, lançada no Brasil em junho com boas críticas, Marroquín, alcunha que usa para evitar o inferno que se tornou carregar no RG o mesmo nome do pai, acaba de ver a série Narcos, do canal Netflix, com muitas ressalvas. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, ele fez sérias acusações aos produtores, ao diretor José Padilha e critica o ator que interpreta seu pai, Wagner Moura.
- Aquilo é um insulto à história da Colômbia e às milhares de famílias de vítimas do narcotráfico. Eles deveriam, primeiro, incluir capítulos para mostrar como a DEA (agência antidrogas dos estados Unidos) cobrava de meu pai impostos para permitir que a cocaína entrasse nos EUA através do Aeroporto Internacional de Miami.
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Marroquín afirma que há interesses políticos por trás do projeto e que ofereceu ajuda na curadoria, que foi negada pela produção.
A Netflix informou que não se pronunciaria sobre as declarações. Neste momento, a segunda temporada de Narcos está em fase de gravação, sem data de estreia. Já o diretor José Padilha respondeu às acusações:
- Tivemos muitas propostas de "consultoria remunerada" por familiares e "amigos" de Escobar. Todas apresentadas a nós como bem intencionadas, mas sempre buscando remuneração. Algo do tipo: sei o que aconteceu com Pablo. Quanto você me paga para eu te contar?
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Marroquín rebate:
- E Padilha crê que estamos no tempo da escravidão? Quer que a gente trabalhe de graça para ele?
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Sobre o conteúdo da série, o diretor explica que a DEA foi consultada, que tinha todas as transcrições das gravações interceptadas de Pablo.
- Não achamos que os filhos de Pablo tivessem plena consciência do que se passava com seu pai. Além disso, as informações de diferentes familiares não batiam umas com as outras - garante Padilha.
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Marroquín voltou a responder:
- O único que não tem consciência da história é o próprio Padilha. Por acaso ele é familiar de Pablo para conhecê-lo melhor que seus filhos?
O diretor rebateu:
- A série mostra Pablo como o facínora que era, autor de atos de terrorismo contra inocentes. Na segunda temporada, veremos o que acontece com gente que pratica crimes como ele. Será que mesmo assim vai ter gente que acha que o crime compensa? Trata-se de uma crítica risível. Me pergunto se ela existiria caso estivéssemos pagando por "informações" secretas!
Mas Marroquín seguiu reclamando:
- Onde está a autorização para que um ator me representasse? Onde está?
Leia a entrevista de Marroquín para o jornal Estado de S.Paulo abaixo.
Narcos deturpa a história ou faz emendas que os diretores chamam de liberdade poética para suas narrativas?
Não há nada de poético, mas de político. Quando eu soube que a Netflix faria uma série sobre meu pai, me ofereci para lhes dar acesso a toda a história, mas eles não quiseram.
E que dano você acha que ela pode provocar?
Um projeto como esse instala nos jovens o desejo de serem traficantes. A ação de meu pai é toda glamourizada, parece sempre que é muito bom ser traficante, que eles são cheios de poder, dinheiro, armas, mulheres, propriedades. Meu pai nunca sofre, sempre está bem. Nunca o vemos chorar.
Como foi ver Wagner Moura interpretando o seu pai?
Eu não o reconheço como meu pai. O sotaque e a caracterização não o ajudaram. Mas como poderiam interpretar fielmente Pablo Escobar se ignoraram a colaboração de seu filho?
Você pensa em processar a Netflix?
Fico pensando se é melhor lutar ou viver. Muito provavelmente, viver. Mas, se sobrar tempo e dinheiro, vou discutir legalmente as mentiras que eles estão publicando. Colocaram um ator que atende por meu nome sem pedirem autorização. Meu pai morreu, mas eu e minha família estamos vivos. Se acham que podem "chutar cachorro morto", então vão ter que matar mais três: eu, minha mãe e minha irmã.
Frank Sinatra é citado em uma frase de seu livro, como se fosse o contato de seu pai em Miami.
Ele era um dos sócios do meu pai em Miami.
Sócio de Escobar? Frank Sinatra?
Eu posso lhe dizer que ele era melhor distribuidor de cocaína do que cantor.
Como pode dizer isso?
Os cartéis da droga existem apenas da linha da fronteira do México com os Estados Unidos para baixo. Onde está o cartel de Miami? O cartel de Nova York? Quem é o chefe do cartel de Chicago, de Los Angeles? Cada quilo de cocaína que entra nos Estados Unidos é convertido em oito, maximizados com veneno. Há uma grande hipocrisia frente à maneira de falar das drogas. Mas não colocaram na série os cartéis que não são administrados nem por mexicanos nem por colombianos.
E Frank Sinatra?
Há mais cantores do que você imagina que começaram suas carreiras graças ao patrocínio dos narcotraficantes.
Sabemos do envolvimento de Sinatra com a máfia italiana, mas o que pode dar certeza dessa ligação com os colombianos?
Não há recibos nem tickets, apenas a palavra. Sei porque eu estava muito perto do meu pai, e ele e seus sócios sempre falavam sobre isso.
Você fala da legalização das drogas em suas andanças pelo mundo. Acredita ser a saída?
Alguma vez você ouviu dizerem que estava faltando cocaína nas ruas? E quantos traficantes sabemos que foram mortos? Pois no dia seguinte à morte de um traficante, falta droga? Então, matem todos em um dia e verão que também não vai faltar. Há hoje 244 milhões de consumidores no mundo dispostos a comprar alguma droga. A mesma violência dos anos de meu pai, que morreu há 22 anos, ainda não terminou. Quando ele me ensinou sobre as drogas, havia dez tipos. Hoje, já são mais de 460 substâncias.
A legalização não seria um risco, tornando a cocaína mais acessível onde ela ainda não é?
Ela é acessível em qualquer lugar. E os jovens creem que o que consomem é cocaína, o que já seria terrível, mas na verdade estão usando outra substância que traz apenas 20% ou 30% de coca com veneno. Se você pedir hoje uma pizza e uma droga por telefone, a droga chega primeiro. Isso significa que ela está tão legalizada quanto a pizza. A guerra está perdida.
E em que ponto teríamos uma sociedade melhor com drogas legalizadas?
Assim como o Estado defende sua soberania, as pessoas têm uma soberania interior com relação ao que querem fazer com seus corpos.
O problema é quando as pessoas não sabem o que vai ocorrer com seus corpos. E aí chegamos à catástrofe...
Já estamos vivendo a catástrofe, e ela só vai ser menor na medida em que se eduque melhor. Prefiro ver um jovem comprando cocaína Bayer ISO 9000 na farmácia ao ver este jovem comprando na esquina um produto branco com vidro moído que vai corroer seus pulmões.
Não está apostando demais na educação pública?
Meu pai me educou sobre drogas quando eu tinha oito anos, e nenhuma criança foi mais rodeada por drogas do que eu.
* Estadão Conteúdo
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