Quando Fernanda Montenegro beijou Nathalia Timberg na estreia de Babilônia, em março deste ano, alguns tabus foram derrubados e o espaço dado ao público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) na dramaturgia brasileira avançou algumas casas. O que se viu depois, com o boicote de parte da sociedade à novela, foi um retrocesso. Mas a visibilidade desse universo da população cresce ano a ano desde Assim na Terra como no Céu, em 1970. Foi naquele ano que Ary Fontoura deu vida a Rodolfo Augusto, o primeiro gay a aparecer em uma novela da Globo. De lá pra cá, a presença de LGBTs nas tramas da emissora é maior e começa a levantar debates importantes, como o do preconceito.
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É o que aponta o estudo feito pela jornalista e pesquisadora Fernanda Nascimento, que lançou o livro Bicha (Nem Tão) Má: LGBTs em Telenovelas (editora Multifoco). Fruto do trabalho de mestrado em Comunicação pela PUCRS, a obra analisa uma das figuras mais icônicas nesse processo de ampliação da pluralidade de personagens: Félix, interpretado por Mateus Solano em Amor à Vida (2013) - que protagonizou o primeiro beijo gay em uma novela global.
Para estudar Félix, Fernanda mapeou os personagens LGBTs dos folhetins da emissora até 2013. Em 43 anos, foram 126 papéis em 62 novelas (leia detalhes abaixo).
- O levantamento mostra que nem todos os personagens são estereotipados, muitos seguem o padrão heteronormativo. Também evidencia que ainda há muito mais gays do que lésbicas, e que bissexuais, transexuais e travestis são quase invisíveis - explica Fernanda.
Ao analisar os dados, que levaram em conta classe, faixa etária e características dos personagens, a autora percebeu que homossexuais com comportamento extravagante ou "afetado" estão mais vinculados às classes populares e a papéis cômicos, enquanto que os de classes média e alta, geralmente, têm uma perfomatividade heteronormativa e, em alguns casos, são vilões - como Félix. Além disso, o estudo aponta que as lésbicas, quase todas com perfil heteronormativo, têm sexualidade mais regulada do que os gays - quando têm relacionamentos, a maioria são monogâmicos, por exemplo.
Já as discussões sobre gênero, direitos, preconceito e conflitos familiares são temáticas que apareceram nas tramas mais atuais.
- A grande proposta do livro é mostrar quais LGBTs estão nas novelas e quais estão fora, quais vivências são permitidas e quais continuam marginalizadas - enfatiza Fernanda.
LGBT NA DRAMATURGIA DA GLOBO
Os personagens
Entre 1970 e 2013, foram identificados 126 personagens LGBTs. Destes:
Gays - 76
Lésbicas - 24
Bissexuais - 16 (sendo 13 homens)
Travesti - 1
Transexual - 8
Sem definição de identidade de gênero e orientação sexual - 1
- A faixa etária entre 31 e 40 anos é predominante.
- Duas narrativas - Mulheres Apaixonadas (2003) e Insensato Coração (2011) - tinham personagens com menos de 20 anos. Outras seis, personagens com mais de 60 anos.
- Apenas quatro eram negros.
- Personagens de classes populares apareceram em maior número.
- O primeiro casal a ter um filho foi Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christie), que adotaram um criança na novela Senhora do Destino (2004).
As novelas
Das 62 tramas analisadas:
- 36 eram da faixa das 21h
- 22 eram das 19h
- As demais eram das faixas das 18h e 23h
No tempo:
Anos 1970 - 6 novelas
Anos 1980 - 11 novelas
Anos 1990 - 13 novelas
Anos 2000 - 22 novelas
Anos 2010 a 2013 - 9 novelas (até Salve Jorge)
NA FEIRA DO LIVRO
Fernanda Nascimento autografa o livro Bicha (Nem Tão) Má: LGBTs em Telenovelas (editora Multifoco) na próxima quinta-feira (dia 12), às 20h, na Feira do Livro de Porto Alegre. Antes, às 17h, a autora participa da palestra Gênero e Sexualidade na Mídia, na Sala Leste do Santander Cultural.
* TVSHOW