É possível pinçar na trajetória do cineasta americano Noah Baumbach pontos que aproximam seus filmes da robusta obra erguida pelo veterano colega Woody Allen. Convergem eles, por exemplo, na predileção por ter Nova York como cenário e fazer da cidade que conhecem com intimidade um organismo vivo que faz pulsar seus personagens. Baumbach também gosta de citações à alta cultura, listando nomes e obras da literatura, da filosofia e do próprio cinema, e de construir narrativas a partir de experiências banais do cotidiano, inspirado em suas próprias vivências na metrópole.
Sobre esses pontos em comum com Allen, o diretor de 45 anos, nascido e criado no Brooklyn, tem apresentado como marca autoral, com tom de humor melancólico, a radiografia do impasse existencial encarado por sua geração diante de temas como responsabilidades e imposições da vida adulta, expectativas de juventude frustradas e transição do mundo analógico para o universo digital – questões que apresentou no longa Enquanto Somos Jovens (2014).
Mistress America, em cartaz nos cinemas, é o mais recente filme de Baumbach. Nele, o cineasta retoma a parceria com sua mulher, musa e corroteirista Greta Gerwig, 32 anos, após o aclamado Frances Ha (2012). Em uma trama que dialoga com esses dois projetos anteriores citados, misturando o choque geracional com aquele momento da vida adulta em que se precisa dar um passo decisivo, Mistress America apresenta duas protagonistas. Tracy (Lola Lyrke) é uma jovem tímida de 18 anos que chega a Nova York para cursar a faculdade. Brooke (Greta) é uma efusiva mulher de 30 que ainda não se aprumou, o que espera fazer assim que juntar dinheiro para abrir um restaurante. Elas fazem contato porque a mãe de Tracy vai se casar com o pai de Brooke, e esta acaba assumindo a tarefa de iluminar para a irmã caçula emprestada os prazeres de Nova York.
"Enquanto Somos Jovens" discute abismo entre as gerações X e Y
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Quem assistiu a Frances Ha vai perceber que Greta não desencarnou da encantadora personagem homônima, que se repete em Brooke com muita vivacidade – e também com certo maneirismo. O contraste entre as ambições e experiências de Tracy e Brooke sugere que Mistress America investirá mais no conflito que se dá quando a recém-chegada passa a absorver as lições – e a vida – da outra para dar vazão a sua pretensão literária. A postura eticamente discutível da ingênua Tracy bate de frente com o otimismo quase infantil de Brooke. Mas esse conflito acaba diluído no artificialismo de algumas situações e em digressões não muito inspiradas – como a que lança Brooke em um acerto de contas com uma amiga que a trapaceou no passado.
Baumbach e Greta se empenham para compensar a falta de maior consistência da trama com diálogos espirituosos e aqueles personagens secundários “excêntricos” que costumam bater ponto nos filmes independentes. O fato de as protagonistas serem personagens com traços humanos mais críveis do que os recorrentes no cinema comercial americano compensa as limitações e reiterações de Mistress America espelhado nos bons filmes anteriores de Baumbach.
Vale destacar ainda mais um inspirado uso do diretor para uma canção do grupo britânico Hot Chocolate. Se em Frances Ha teve Every 1's a Winnera, agora a trilha relembra You Could Have Been a Lady, gravada em 1971.
You Could Have Been a Lady em versão ao vivo do Hot Chocolate de 1973