Os fãs gaúchos do Pink Floyd estão em contagem regressiva para 16 de dezembro, quando poderão dar fim a uma espera de quase 50 anos. Nesse dia, o guitarrista David Gilmour sobe ao palco que será montado na Arena do Grêmio para promover Rattle that Lock, seu quarto álbum solo de inéditas. Com esse show, Porto Alegre terá recebido, em um intervalo de três anos, as duas principais forças criativas da seminal banda britânica de rock progressivo - o baixista Roger Waters se apresentou no Beira-Rio em 2012 (completavam a formação clássica do grupo, hoje inativo, o baterista Nick Mason e o tecladista Richard Wright, morto em 2008).
Se Waters representa o cérebro do Floyd, com suas letras cáusticas e politizadas, Gilmour é o coração da banda, criador da atmosfera musical para ambientar as viagens líricas do ex-companheiro. Com um timbre único e senso melódico apuradíssimo, é um dos guitarristas mais elegantes e influentes da história do rock. Para quem está na expectativa do show, a dica é conferir o mais recente lançamento de Gilmour. Nos shows realizados em outubro, na Europa, o músico incluiu sete faixas no repertório, o que não é má notícia.
Rattle... não chega a superar o álbum anterior, o inspirado e contemplativo On an Island (2006), mas é um trabalho mais variado, mostrando diversas facetas de Gilmour como compositor. Também é um disco mais acessível para quem não conhece a carreira solo do artista ou está pouco familiarizado com a obra do Pink Floyd.
Despretensioso, o álbum começa com a curta instrumental 5 a.m., que logo dá lugar à faixa-título, surpreendente pelo groove dançante e o apelo radiofônico que remete ao pop dos anos 1980 - talvez pelo toque do co-produtor Phil Manzanera, ex-Roxy Music. Na sequência, a bela Faces of Stone dá um clima mais introspectivo, com uma lenta e minimalista introdução ao piano, seguida por violões e a voz rouca de Gilmour, um cantor que sabe compensar suas limitações téc-nicas com um timbre peculiar e interpretação classuda. A lenta A Boat Lies Waiting prossegue em direção semelhante, com um interessante uso de corais, enquanto Dancing in Front of Me e The Girl in The Yellow Dress flertam com o jazz.
Com uma introdução que lembra vagamente Comfortably Numb, um dos maiores clássicos do Pink Floyd, In Any Tongue talvez seja o melhor momento do disco. Gilmour canta, carregado de emoção, versos que criticam a banalização da morte em um mundo tecnológico (Na tela os jovens morrem/ Crianças choram nos escombros de suas vidas/ O que ele fez?/ Deus ajude meu filho) e entrega o solo mais inspirado do CD.
Aos 69 anos, Gilmour parece não querer se reinventar com novas experimentações musicais, o que já fez à exaustão no Pink Floyd - capítulo de sua carreira em que pôs um ponto final no ano passado com o derradeiro álbum The Endless River. Agora, o britânico se mostra mais interessado em criar belas melodias e solos arrebatadores. O que já é ótimo.
Rattle That Lock
De David Gilmour
Rock, Sony, 10 faixas, R$ 58,90 (em média), US$ 9,99 no iTunes e disponível nos serviços de streaming.