Um grupo de estudantes de cinema da PUCRS vai fazer um filme que se passa no Brasil dos anos 1970, contando uma história que envolve repressão e tortura. Uma das boas ideias do roteiro é não mostrar qualquer imagem ou som da tortura propriamente dita, substituindo-os por uma ação simbólica: o torturador - sem fazer muito drama - esmaga uma barata que corria em cima da sua mesa.
Quando o roteiro foi apresentado em aula, perguntei como eles fariam a cena, e a resposta foi: "Ué, o ator esmaga uma barata. Qual é o problema?". Mas, desconfiando de que havia um problema, fui me informar com uma colega bióloga. Ela, que faz pesquisas com animais vivos e domina as questões éticas nessa área, garantiu que não poderíamos matar a barata para filmar sua morte. Seria um crime, ou ao menos uma contravenção. Barata é um animal, e animais não podem ser mortos em nome de um filme, ou de qualquer outro espetáculo. Não importa se é um mosquito ou um chimpanzé, que possuem níveis de consciência bem diferentes.
Ainda tentei argumentar: "Milhares de bois são mortos, todos os dias, para abastecer as churrasqueiras dos gaúchos, e meus alunos não podem matar UMA barata?". E a resposta foi: "É diferente. Aqueles animais servem para a alimentação". Como não posso sugerir que meus alunos comam a barata para justificar sua morte, estamos agora à procura de uma barata falsa. Entretanto, ela deve se mexer realisticamente antes de ser esmagada, o que é um problema não muito fácil de ser resolvido. Mas será. Faremos o filme sem quebrar qualquer código ético.
Em nome dos prazeres gastronômicos dos seres humanos, bezerros são mantidos, desde que nascem, em cercados minúsculos, para que recebam uma dieta especial e não possam se locomover e desenvolver seus músculos, ficando assim com a carne mais tenra. Eles só caminham alguns meses depois, por algumas dezenas de metros, rumo ao matadouro. Não há qualquer código de ética que os defenda dessa vida, que é uma tortura do começo ao fim, porque o fim é o alegre almoço de domingo. Enquanto isso, a barata está protegida. Não me parece muito lógico. E, se há uma lógica e um preceito filosófico que a sustente, por favor, me expliquem