Cinebiografias costumam ter melhor resultado quando focam em um recorte cronológico emblemático da trajetória do biografado, em vez de mirar em uma linha do tempo mais extensa - o que, em geral, tende a diluir a força da narrativa. Pinçar esse pedaço de vida simbólico, porém, aponta um caminho que não está imune aos tropeços, como mostra Neruda, em cartaz a partir de hoje em Porto Alegre.
O filme chileno dirigido por Manoel Basoalto destaca o período, entre 1948 e 1949, em que o já consagrado poeta Pablo Neruda (1904 - 1973), no exercício de seu mandato de senador, enfrenta uma perseguição política que o faz partir para o exílio engendrando uma fuga espetacular: cruzou as cordilheiras do Chile a cavalo em direção à Argentina. A história é lembrada por Neruda em flashback, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura na Suécia, em dezembro de 1971.
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Basoalto, que tem grau de parentesco distante com Neruda, constrói sua narrativa como um folhetim melodramático por vezes confuso na ordenação dos momentos mais representativos dessa jornada. Na encenação da atuação parlamentar do comunista Neruda, o filme consegue dar uma boa dimensão ao perfil humanista e inflamado do poeta - como no rompimento dele com o presidente Gabriel González Videla, que após contar com ajuda dos partidos de esquerda para chegar ao poder, voltou-se contra os mesmos e reprimiu com violência seus opositores, criando inclusive um abjeto campo de concentração para "reeducação", alvo da indignação pública de Neruda.
Mas se esse conflito político alcança alguma forma dramática - além de destacar as sempre turbulentas e sensíveis relações de poder na América Latina sob influência dos EUA após a II Guerra - Neruda, perde-se na digressão que remete à infância e juventude do poeta e na tentativa de imprimir suspense na orquestração da fuga pelas montanhas, momento deveria ser o clímax do longa mas acaba aparecendo de forma tímida e apressada. Também se mostra problemático no conjunto a atuação impostada do elenco, em especial a de José Secall no papel central.
Ao fim e ao cabo, a grande jornada de Neruda - registrada nas locações reais do sul do Chile onde ele nasceu e cresceu -, na qual foi inspirado a escrever parte de Canto Geral (1950), uma de suas mais aclamadas obras, ganha destaque menor do que o diretor sugere que irá ter.
Esse mesmo período da vida de Pablo Neruda, aliás, é tema de outra cinebiografia, ainda em produção, assinada por Pablo Larraín, do indicado ao Oscar No (2012). O protagonista deste, Gael García Bernal, vive um agente que persegue o poeta, interpretado por Luis Gnecco. O histórico dos envolvidos permite esperar por um resultado melhor, á altura do biografado.
Neruda
De Manuel Basoalto;
Drama, Chile, 2014, 97min, 12 anos.
Estreia nesta quinta-feira no circuito.
Cotação: regular