Donatinho e Alberto Continentino fazem parte de uma turma que há uns bons 10 anos vem dando as cartas no Rio de Janeiro no que diz respeito a novidades sonoras - de Moreno Veloso a Domenico Lancelotti, passando por Kassin, Stephane San Juan, Berna Ceppas e outros. Como requisitados instrumentistas, aparecem nas fichas técnicas de muitos discos. E agora, simultaneamente, lançam seus primeiros álbuns como autores. Produzido por Kassin, o CD de Continentino, Ao Som dos Planetas, tem uma base de samba e jazz e uma sonoridade própria, com os instrumentos (baixo, guitarra, bateria, sintetizadores, sopros) tecendo uma teia de timbres em que quase não há espaços em branco. Mas tudo é leve, suave, com as vozes de Continentino e de sua mulher, Vivian Miller, na maioria das vezes em uníssono e integradas a essa teia.
Domenico, parceiro em três músicas e percussionista do disco, conta que eles começaram a compor juntos quando integravam a banda de Adriana Calcanhotto, durante as longas turnês. E compara: as melodias do baixista Continentino costumam remeter à canção norte-americana, ao cinema, a Mancini, Bacharach, mas também a Donato, Bonfá e Jobim, "música de maestro". De fato, as melodias chamam os ouvidos, como em Tic Tac (parceria com Moreno) e em Náufrago, ambas com um frescor de música infantil - por acaso, Vivian estava grávida do primeiro filho deles durante as gravações. Outras muito boas são A Summer's Day (em inglês), a dançante Hora do Lanchinho e a instrumental Double Dip. O time de músicos tem San Juan, Artur Dutra, Guilherme Monteiro, Leo Gandelman e outros.
Entre esses outros está o tecladista Donatinho, cujo disco Zambê é completamente diferente, embora a origem de certa forma também remeta ao jazz. Ouvindo, aos 14 anos (hoje tem 30), o álbum Head Hunters, em que Herbie Hancock mergulhava nos sintetizadores, foi que o filho de João Donato se apaixonou por esse tipo de som. Em Zambê, ele pilota teclados vintage, baixo synth e programações (além de piano acústico) para forjar talvez o mais brasileiro dos discos de música eletrônica. Ao lado de violão de 7 cordas, cuíca, pandeiro, bandolim, viola caipira, guitarra, tamborim, banjo, escaleta. Os estilos house, electro, trip hop, dub etc. estão lá, mas impulsionando samba, choro, côco, repente, ponto de candomblé, moda de viola, carimbó e até um canto indígena. Na capa, convivem o figurino cyber e o carrinho de lomba.
Para ajudá-lo a sublinhar o trabalho, reuniu músicos próximos como, olha só, Kassin, Stephane San Juan, Davi Moraes e... Alberto Continentino. Já que não canta, chamou vários convidados para cantar e assinar as parcerias. A paraense Dona Odete canta Dança dos Urubus, o paraibano Totonho Cabra vai de Ladrão de Alma, a maranhense Rita Beneditto (ex-Rita Ribeiro) de Janaína, a gaúcha Luka canta Índios em guarani, o rapper carioca Akira Presidente em Choro da Nova Escola, a capixaba Tamy canta Discurso Independente. Mais Plínio Profeta tocando viola caipira em Vidas Melhores, e Márcio Montarroyos, trompete e flugelhorn em Sopro - o CD é dedicado a ele, que morreu pouco depois da gravação. Um disco feito para as pistas. Mas que você pode ouvir sem dançar. Se conseguir.
Ao Som dos Planetas
De Alberto Continentino
Independente/Tratore, R$ 27.
Zambê
De Donatinho
Pimba/Tratore, R$ 25,90.
Antena - Lançamentos
Live, de Salut Salon - Formado pelas belas Angelika Bachmann (violino, 43 anos), Iris Siegfried (violino, 43), Anne-Monika von Twardowski (piano, 33) e Sonja Lena Schmid (violoncelo, 34), o grupo alemão é uma das sensações do cenário erudito nos últimos 10 anos graças à dessacralização deste gênero de música em suas apresentações. Virtuoses, mas divertidas e sexy, encantam plateias com desempenho impecável nos clássicos aliado a elementos teatrais e surpresas como usar temas do cinema em meio a um concerto. Seu repertório também fixa composições que "borram" fronteiras, como, no caso deste disco, três de Piazzolla (Adiós Nonino, Escualo e Oblivion) e a Malagueña de Ernesto Lecuona. É seu quinto CD, quarto ao vivo, o que diz muito sobre o gosto pelo palco. E os aplausos do público afirmam essa preferência. O disco tem obras de Leonard Bernstein (Meditation nº 3), Mendelssohn (Lied ohne Worte D-Dur), Saint-Saenz (Danse Macabre e Aquarium, de The Carnival of the Animals), Mussorgsky (Ballet of the Chickens in Their Shells), Schumann (Piano Quartet in E Flat, Op.47), Brahms (Guten Abend, gutNacht, Op.49, nº 4). Na folclórica e dançante Levan Polka, a plateia, empolgada, acompanha o ritmo com palmas. Uma das criadoras do grupo, Iris também mostra sua voz, cantando em Cest un Chanson, dela. Cariocas e paulistas tiveram a sorte de assistir ao Salut Salon agora em abril, na primeira vinda do grupo ao Brasil. Warner Classics, R$ 49,90
Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos - Em 1973, depois de cantar em shows beneficentes para entidades ou colegas em dificuldade política, Jards Macalé resolveu fazer um show coletivo em benefício próprio, "como atitude de humor, denúncia e necessidade", pois sua situação econômica estava precária. O Museu de Arte Moderna do Rio cedeu o local e, como haveria lá uma mostra da ONU pelo 25º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, propôs unir as duas coisas. Convidados os artistas, a censura, com o intuito de inviabilizar o espetáculo, cortou metade do roteiro. Mesmo assim, no dia 10 de dezembro, ele aconteceu, com Paulinho da Viola, Edu Lobo, Jorge Mautner, Johnny Alf, Gonzaguinha, Luiz Melodia, Raul Seixas, Soma, Chico Buarque/MPB-4, Edison Machado, Milton Nascimento, Pedro dos Santos, Dominguinhos, Gal Costa e o próprio Macalé. Um álbum duplo com um resumo do show (gravado clandestinamente) foi proibido em 1974, só sendo lançado em 1979, com a anistia. Agora, pela primeira vez em CD, está sendo lançada esta caixa tripla com a íntegra do show a partir dos tapes originais durante mais de 40 anos guardados por Macalé. São três horas de música. Um documento vivo da época da ditadura - mesmo sendo só canções liberadas, você sente a pressão o tempo todo nas vozes dos músicos e no comportamento do público. Uma das músicas cantadas por Gonzaguinha com toda a gana, por exemplo, é Vingança, de Lupicínio. Discobertas, R$ 65,90