Alguma coisa acontece no coração das temporadas musicais que quando chega o inverno tudo aquece. Isso talvez venha do tempo em que os músicos com carreira lá fora vinham forrar as burras enquanto lá fora corria o verão. Ou talvez seja a permanência do mito burguês de que no verão as praias enchem e as cidades viram lugares sem esperança. Por mais que se tente mudar a vida cultural e artística das cidades, é ainda no inverno que se ouve mais música.
O verão é época dos festivais interioranos que, a cada ano, mais internacionais ficam, mesmo com orçamentos apertados. Na capital, o inverno é a época da música.
Se percorro a memória, não consigo visualizar as temporadas da ProArte, capitaneadas por Dona Eva Sopher pré-Theatro São Pedro, em tempo quente. No calor, a ProArte enviava estudantes jovens ao festival de música de Teresópolis, onde a organização tinha um braço gerenciado por pessoas muitíssimo menos simpáticas do que Dona Eva.
Mesmo agora, sem recorrer à memória, há evidências do impulso musical do inverno. O Projeto Ópera na UFRGS voltou, agora em idade adulta: deixou as óperas tipo Dido e Enéas que todo mundo faz para explorar óperas que ninguém faz e que por isso reservam surpresas agradáveis. A Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, com seus programas musicais de gente grande, também se mostra madura para a colheita de inverno. A Ospa apresenta seus programas mais interessantes agora mesmo, com regentes bons, solistas ainda melhores e repertório mais variado.
Essa movimentação vai na contramão do imobilismo oficial e de dificuldades cada vez maiores. Já falta peneira para tapar o sol do pouco dinheiro, da modéstia das iniciativas, dos projetos abortados, das coisas que não mais se fala para não prometer o que não se poderá cumprir com finanças aos trapos. Quantos invernos mais a música de concerto ainda vai sobreviver? Quantas braçadas mais nadarão os que ainda fazem força para se contrapor à falta de vontade social? Quanto ainda se manterá a música de junho, julho e agosto com a força que sempre teve?