E eu pensando que era o chocolate branco! Durante décadas briguei com ele à custa de uma sessão interminável de cinema, lá no século passado, no Cine Guarany de Porto Alegre, do qual sobrou apenas um pedaço da fachada bem ali onde a Rua da Praia descansa dos automóveis e se entrega aos passantes. O filme era Ben-Hur, de 1959, épico e melodramático, mas que se salva pela corrida de quadrigas lá no começo da - sei lá - terceira hora da sessão.
Passei o filme devorando Laka, o mais branco dos chocolates brancos. Voltei para casa à morte. Os épicos bíblicos nunca me fizeram bem, naquela época e mesmo hoje, e a combinação com o Laka foi quase terminal. Passei boas horas a colocar os bofes para fora, até não sobrar mais chocolate, quadrigas e cenas bíblicas. De lá para cá, sempre refuguei chocolate branco - a memória daquela tarde voltava, à mera visão daquele exagero de manteiga de cacau. Eu e chocolate branco, nunca mais. Pelo menos era o que eu pensava.
Outro dia, voltei à música de Ben-Hur, que sempre me pareceu intercambiável com a de El Cid, outro épico. De uma vez por todas, resolvi identificar as diferenças entre as duas trilhas de Miklós Rózsa. Surpresa das surpresas: sem nem lembrar de cacau ou barras enroladas em papel branco, a orquestração da música me causou enjoo. Enjoo instantâneo: eram tantas as trompas, os trompetes, as harmonias carregadas e o exagero de tambores que quase corro para expelir aquela música pavorosa. Premiada com um Oscar, é verdade, mas pavorosa.
Passei décadas longe de chocolate branco e, afinal, era a música de Miklós Rózsa que me tinha causado náuseas. Nem se diga que agora foi a música que me lembrou o exagero alimentar. Ao contrário: há, na música de Ben-Hur, todas as marcas do destempero e da grandiloquência das quais sempre tentei fugir. Ainda não me transformei num ávido consumidor de Laka. Afinal, a idade exige certa prudência. Mas uma coisa é certa: se eu puder evitar as trilhas bíblicas de Miklós Rózsa, tanto melhor. Já terá sido terapia mais do que suficiente.