Quarenta anos atrás, assisti a Viva o Cordão Encarnado, espetáculo com o qual duas jovens atrizes, Elba Ramalho e Tânia Alves, lançavam-se também à carreira de cantoras. O Teatro Brigitte Blair, um pulgueiro incrustado na Copacabana carioca, tinha um ar decadente de dar dó. Na bilheteria às moscas, chegaram só mais dois casais. Os homens vestiam roupais normais. As mulheres, porém, estavam produzidas como se fossem a uma noite de gala no Carnegie Hall. O Rui não aprovaria. Prestei atenção à conversa do quarteto. Gaúchos em férias, queriam ver teatro, coisa que não faziam aqui porque "em Porto Alegre não havia bom teatro". Elba e Tânia fizeram o espetáculo como se não houvesse amanhã. O quarteto saiu se coçando e falando mal da sala, eu fui cumprimentar as atrizes. Esse episódio me veio à memória ao ouvir Do Meu Olhar pra Fora, excelente novo disco de Elba, de quem continuo fã.
Vinte anos depois, estreei Sei que Estou Errada, show que juntava Adriana Calcanhotto, Annie Perec e Tânia Carvalho no Porto de Elis. Por causa da Tânia, pessoas que nunca colocariam o pé naquele lugar iam lá e se encantavam. Uma delas, em êxtase, me agradeceu por estar se sentindo "nos melhores porões de Berlim". Sim: o que dá pra rir dá pra chorar.
Cidade boa é a que valoriza a si e aos seus. Mas nossos tigres de papel, com pose de "cidadãos do mundo", renegam sua aldeia e fazem questão de não acompanhar a vida cultural local. Essa indiferença demonstra só um provincianismo anacrônico, nada mais. Como um esquerdista que começa a guardar dinheiro na cueca, quem renega sua história e nega seus erros, pessoais ou partidários, desconecta-se da realidade e vira um fantasma de si mesmo. Os fantasmas locais existem, e, compulsivos como o pai de Hamlet, adoram falar mal de Porto Alegre. Como diria o Billy Blanco: "Pra que tanta pose, doutor, pra que esse orgulho?".
Até que alguém de fora descubra e elogie a prata da casa, haja paciência e exorcismo. Caranguejos? Tô fora.