Günter Grass e música? Não sejamos apressados, lendo música em todo o prêmio Nobel que morre. Mas Grass escreveu sobre música, e bem. Isso acontece numa novela obscura, O Encontro em Telgte, arrasada por um crítico literário em 1981 com uma frase sempre citada - o livro não passaria de "um construto literário inerte". Ora, a felicidade de não ser crítico literário é poder olhar com carinho para uma obra evidentemente menor de um escritor premiado e ainda encontrar méritos.
Há menos de um ano, Günter Grass e a filha se reuniram com instrumentistas e coralistas para um "programa musico-literário". Nada menos do que a colocação da novela no contexto musical correto. Assim surgiu O Encontro em Telgte ou: A Poesia Serve à Música?, transformado há pouco em CD. Agora que Grass se foi, ouvir sua voz lendo trechos da novela assume uma relevância fascinante, ainda mais na moldura dos compositores barrocos, essas antiguidades de séculos passados.
O encontro em Telgte se passa em maio de 1647, ao final da Guerra dos 30 Anos. Um grupo de poetas, literatos e intelectuais se reúne em Telgte para discutir a arte do pós-guerra - o mesmo que um grupo de intelectuais alemães fez em 1947. Discutir faz bem, pois como diz a frase de abertura do livro de Grass: "O que foi amanhã é o que será ontem". E, lá pelo capítulo oito, Heinrich Schütz, o maior dos compositores luteranos dos 1600, faz a sua entrada triunfal. Diz Grass: "Schütz era homem de autoridade austera e grandiosidade severa, alguém que ninguém conseguiria decifrar".
A partir daí, O Encontro em Teltge namora a música. No CD que resultou do "programa musico-literário" de Grass, a música de Schütz aparece bastante, como seria indispensável. Junto com ela, a música de Monteverdi, de Praetorius, de Paul Fleming (que também aparece no livro).
Da página para a sala de concerto, a novela se transforma numa enciclopédia musical do século 17, sempre entremeada pela voz de Grass _ séria como de um mestre-escola, envolvente e assustadora como a de um morto recente.