A classe média tomou as ruas. Tem motivos para isso. Cansou de pagar impostos pelos serviços públicos que são educação, saúde, transporte e segurança - e de além deles, pagar a escola dos filhos, o plano de saúde, o carro e o segurança do condomínio ou da rua. É difícil definir "classe média", mas o essencial é que ela se diferencia dos pobres, porque tem o necessário à vida e também consegue saciar alguns sonhos de consumo. Daí que país rico seja "país sem pobreza", como diz um bordão de Dilma Rousseff: os países em que o povo adquiriu dignidade. O problema é que, aqui, a dignidade é negada pelo setor público. A classe média tem motivos para protestar.
A revolta da classe média
Eu jamais endossaria o discurso ofensivo a essa classe, que alguns colegas propalam. Jamais. Mas não quer dizer que a classe média proteste no caminho certo. Tem razão para protestar, mas não em protestar do modo que tem feito.
A classe média se sente roubada na cidadania. A ferida profunda são esses serviços que ela paga duas vezes. Daí a culpar por esse fracasso do Estado a corrupção, é só um passo. O roubo da Petrobras é enorme. O que significa um único criminoso furtar 100 milhões de reais? Quem saberia o que fazer com tanto dinheiro? Quarenta Lamborghinis, vinte mansões? Ninguém consegue desfrutar de tudo isso. O PT tem que exigir punição e expurgar de suas fileiras quem se comprometeu nisso.
Mas o erro é limitar o mal-estar, o protesto, à corrupção. O furo está embaixo. Primeiro que segurança pública é estadual, educação é estadual e municipal, transporte público idem. Apenas saúde é que além do Estado e do município, envolve a União. A dívida do poder público com a sociedade não é de um partido só. E segundo: mesmo nos sentindo sinta roubados, o roubo não explica tudo, sequer nossos maiores problemas.
São Paulo continua à beira do colapso por falta dágua. A privatização da concessionária pode ser a causa de seu não-planejamento, mas isso não quer dizer que tenha sido corrupção (no caso, do governo tucano). Foi uma escolha errada, não se preparar para a seca. Merece castigo nas urnas. Mas roubo, desonestidade, não foi.
Precisamos entender isso. Na democracia, linhas diferentes disputam o poder. Um lado quer preservar salário e emprego, e com isso talvez tenha errado ao subsidiar demais. O outro lado cortaria subsídios, deixaria crescer o desemprego, talvez aumentasse a produção, mas quem sabe? Poderia ainda assim dar errado. Mas uma política dar errado não quer dizer que seja de ladrões.
Ou vejamos um dos problemas mais sérios do país, o incentivo ao carro particular. Engole fortunas, que poderiam ir para o transporte público e outros serviços também públicos. O carro polui, causa doenças. Arrasa as cidades com viadutos e avenidas largas. Deveria ser adesivado, como os cigarros: "machuca, mutila, mata". Mas é corrupção? Não necessariamente.
A política má é o que mata mais. Isso, a classe média nas ruas não percebe. Os protestos têm que melhorar de foco. Até para o sucesso de quem protesta.
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