Certa vez ouvi em Portugal: "Boulez tarda!". Explico.
Boulez: o compositor francês. E por que tardaria, por que se demoraria no planeta? Porque ele é remanescente da vanguarda musical dos anos 1950, um dos únicos compositores daquele grupo que ainda andam por aí. Fora de ação, é verdade, mas por aí. A vanguarda musical dos 1950 era cheia de manias: tem que fazer assim, tem que fazer assado, e quem não fizer nem assim e nem assado é uma besta. Até parecia modernismo brasileiro, de tão normativa, de tão cheia de podes e não podes.
De 1950 para cá, Boulez foi compositor, polemista, maestro idolatrado, agitador cultural, inimigo de uns e outros, amigo de outros tantos. Chegou a um ponto de suas atividades múltiplas que já não se sabia se era mesmo compositor ou se era outra coisa, tantas coisas escreveu, em tantas brigas se meteu. Nesta semana, 60 e tantos anos depois da vanguarda musical que ele ajudou a criar e teorizar, Boulez faz 90 anos. Um aniversário como poucos, pois é impossível não tropeçar nele no percurso da música de concerto mais ou menos recente. Boulez foi maestro. Boulez foi compositor. Das polêmicas em que se meteu sobraram salas de concerto e centros culturais e de pesquisa espalhados por Paris e ecoando mundo afora. Não é pouco, mas, afinal, são 90 anos essenciais.
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O Boulez aniversariante tem pelo menos duas peças das quais não dá para escapar. Uma é O Martelo sem Mestre, música surrealista sobre poemas de René Char. A outra é Dobra Após Dobra ("...se despe, dobra após dobra, a pedra viúva..."), música coloridíssima com versos de Mallarmé. As duas peças foram compostas no meio dos debates vanguarda-anti-vanguarda que animaram aqueles anos. Coisa bizarra: hoje elas soam antigas, quase inofensivas. Belas, não há dúvida. Mas mostrando numa e noutra semicolcheia as décadas que se passaram de lá para cá. Por isso Boulez tarda.
Não é isso, no entanto, que vai impedir as comemorações. Ao contrário, haverá de deixar as coisas mais urgentes, pois vá que Boulez decida não tardar mais.