Numa das melhores cenas do documentário Tiros em Columbine, Michael Moore entrevista Dick Herlan, produtor do reality show Cops ("Policiais"). Esse programa mostra, basicamente, perseguições a criminosos negros e hispânicos, que são capturados, jogados no chão, algemados e conduzidos (muitas vezes sem camisa) para a prisão. Moore, que está investigando as raízes da violência nos Estados Unidos, sugere a Herlan que faça um programa chamado Corporate Cops ("Policiais de Corporações"), que mostraria a polícia atuando contra as quadrilhas que organizam esquemas fraudulentos para desviar recursos públicos e lesar os cidadãos norte-americanos em milhões de dólares. Moore afirma que a audiência seria grande, e Herlan responde:
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- Concordo com você e, se conseguir achar uma organização policial que julgasse quadrilhas de criminosos apropriadamente, que as perseguisse de forma apropriada... Quero dizer, o que faria com alguém que roubou uma bolsa com US$ 85, e o que faria com alguém que roubou US$ 85 milhões dos pobres? Essa eu queria filmar. Mas, quando a polícia pega o cara que roubou US$ 85 milhões, ele é tratado como se fosse uma autoridade, sendo ou não sendo.
Estamos assistindo aqui no Brasil a uma espécie de Corporate Cops nos jornais e na TV. E, embora seja bem saudável saber que grandes empresários e funcionários públicos de alto escalão - que aparentemente roubaram muito dinheiro dos pobres - estão passando um tempo na cadeia, eles continuam sendo tratados como autoridades. A situação fica ainda mais absurda em relação aos que aderiram à delação premiada, pois o acordo permite que o alcaguete de terno e gravata tenha uma série de vantagens, inclusive a de posar como "colaborador da justiça".
Quem deveria ser tratado com mais rigor? Um sujeito que, desempregado, miserável e semianalfabeto, surrupiou R$ 85 de uma bolsa num ônibus lotado, ou um servidor público, com curso universitário completo e salário generoso, que roubou R$ 85 milhões? Os dois foram imorais e transgrediram a lei, mas quem deveria ser atirado ao chão com mais violência, ter as algemas mais apertadas e ficar em celas mais lotadas? Dick Herlan continua sem boas cenas para o reality que todos nós gostaríamos de ver.
Coluna
Carlos Gerbase: quadrilhas de autoridades
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
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