No dia 21 de outubro de 1984, morre Truffaut aos 52 anos de um câncer no cérebro. Jean Luc Godard não vai ao funeral, no cemitério Montmartre, que, alguns dias mais tarde, reúne a família do cineasta francês. Os dois cineastas haviam se desentendido dois anos antes, não se viam mais desde 1973 e uma carta de ruptura tornou-se célebre, na qual o mais jovem, Truffaut, tratou o mais velho de "merda sobre seu pedestal". Mas Godard sentiu-se profundamente mexido por este desaparecimento, e as lembranças retornaram a sua memória.
O que retorna principalmente no momento da morte do outro é a paixão pelo cinema partilhada anteriormente, e sua vida comum em salas obscuras. Estes dois garotos percorreram os mesmos caminhos e aprenderam sobre a vida juntos, olhando e amando os mesmos filmes. Godard escreve sobre isto no número especial do Cahiers du Cinéma que presta homenagem a Truffaut em dezembro de 1984: "François começou a fazer cinema com a sua mão... manchas de tinta... pedradas nas águas estagnadas [...]. Existiu Diderot... Baudelaire... Elie Faure... Malraux... após François... Nunca existiu outro crítico de arte."
Godard compreendeu, também, que Truffaut o protegia. Um profundo sentimento de abandono e de vulnerabilidade se apropriou dele. Assim, em janeiro de 1985, anunciou: "Ele conseguira o que ninguém entre nós havia conquistado ou buscado: ser respeitado. A partir dele, a Nouvelle Vague era respeitada. Éramos respeitados graças a ele. Ele desapareceu, não somos mais respeitados. Ele me protegia da sua maneira e eu deveria ter muito medo, pois esta proteção não existe mais."
Truffaut era efetivamente o centro do cinema francês, mas à sua maneira, pessoal e original. Não por fazer os filmes mais vistos, e os mais comerciais, mas por ser conhecido e amado por todos, de maneira íntima e romanesca. Truffaut encarnou o cinema: sua vida foi unicamente o cinema, e sua biografia demonstra isto, pois ela é inteiramente retratada em seus filmes. Eles são forjados graças ao material biográfico, começando pela sua infância, cujos traços identificam muitos de nós.
Esta intimidade, oferecida, visível, era largamente compartilhada. Isto é o que faz a força de Truffaut e de seu cinema: uma maneira de fazer vibrar uma vida, de oferecer a todos "vida" e uma verdade "íntima" graças aos filmes. Todo o cinema de François Truffaut apega-se nesta invenção: encontrar uma forma cinematográfica que fale a cada um de seus espectadores, pois ela é capaz de transformar uma existência em diálogos, em situações, em uma encenação cinematográfica.
Acredito que Truffaut continua hoje de extrema importância tanto pela sua vida, sua biografia emocionante, exemplar, comum e romanesca, quanto pelos filmes que o tornaram conhecido de forma tão sensível. Seu legado ao cinema é sua própria vida. Enquanto Godard é evidentemente o grande revolucionário da forma, Truffaut é o mais importante cineasta do mundo, e o primeiro persiste como o homem-cinema.
Leia entrevista com Antoine de Baecque