Um amigo pergunta, informalmente, por que temos de chamar as relações entre a Europa e a África de euro-africanas e não de afro-europeias. Respondo, também informalmente, que ambas são válidas (e bastante empregadas); a ordem, aqui, é apenas uma questão de ponto de vista, já que nossa língua não determina quem virá antes ou depois nos compostos formados por dois adjetivos gentílicos. A aliança entre a Alemanha e o Japão poderia ser denominada de nipo-germânica, ou nipo-alemã, ou teuto-nipônica, ou teuto-japonesa. Nos compostos mais antigos, o primeiro membro, que vem reduzido, é de origem latina (teuto, anglo, sino, franco, por exemplo, vêm do Latim teutoni, anglus, sinae, francus); para brasileiro, já se experimentou braso, brasílio e brasílico, certamente por analogia, mas seu emprego não passou de tentativas isoladas; a tendência atual é formar esses compostos com ambos os elementos intactos (amizade brasileiro-paraguaia, relações cubano-soviéticas).
Em suas infinitas combinações, o processo permite criações nitidamente zombeteiras, bem ao gosto desta coluna. Lembro, por exemplo, que Carlos de Laet, apostando no efeito cômico do contraste, apelidou o movimento filosófico capitaneado por Tobias Barreto e Sílvio Romero (ambos de Sergipe) de escola teuto-sergipana. Eu mesmo, ao saber que uma amiga tinha pespegado na pobre filhinha recém-nascida o nome de Giuçara (no fundo, o nosso tradicional Juçara, disfarçado de europeu, como Giulia), não segurei a língua nos dentes e comentei, irônico, que era um belo nome ítalo-tupiniquim. Nunca mais falou comigo.
Isso nos traz ao luso-argentino. Sei que ainda existem alguns leitores, céticos de carteirinha, que juram que as mensagens furibundas que analiso aqui são pura invenção deste seu criado. Mal sabem eles que da missa não viram nem a metade, pois a maior parte desses cidadãos que me atacam (os amigos Mário e Diana Corso não se sentiriam à vontade se eu empregasse, como fazia o antigo Código Civil, a denominação de "loucos de todo gênero") são tão morrinhas e desinteressantes que não merecem resposta ou comentário. Agora, nosso luso-argentino é ave de outra plumagem. Alguma coisa do tanto que já escrevi não lhe caiu muito bem, e lá veio ele, totalmente atacado das bichas, como dizia minha avó. Sempre que pude, mantive a expressiva pontuação do maluco:
"Excelentíssimo senhor "professor???" Oiça uma coisa, ó grande ídolo da língua de Camões!!!, ó Maradroga do Brasiguês!!! Eu infelizmente nasci na Argentina, mas como quase tudo nesta vida tem solução (exceto a morte) e sendo eu filho de portugueses, fiz o trâmite de atribuição da nacionalidade portuguesa e hoje sou mais um português no mundo - portanto, atualmente tenho uma identidade. Eu ouvi a língua portuguesa desde o meu nascimento, mesmo vivendo eu na "grande" Argentina, ao pé do "grande" Brasil, pois na minha casa falava-se só Português, o verdadeiro Português, o original, o Português de Camões e não o Português do Pelé.
"O que os senhores falam lá no Brasil não é Português. O Brasil tem deixado de ser um país lusófono desde a sua independência; a língua oficial do Brasil é o Brasiguês, que é o Português espanholado. O que Portugal não fez em mais de mil anos tendo a Espanha como único país limítrofe, os senhores brasileiros fizeram-no em apenas 200 anos. Na Argentina também não se fala Espanhol - a Argentina fez com a língua espanhola o mesmo que os senhores do Brasil fizeram com o belo Português lusitano. Com isto quero dizer que na Argentina também falam um dialeto do Espanhol, o Argentinhol, produto do Espanhol italianizado e abrasileirado. Seria bom que na Argentina se falasse outra vez o Quíchua e no Brasil o Tupi, pois assim deixariam de estragar a língua dos outros. Lembre sempre que as línguas são como as autopeças dos carros - a original sempre é melhor e dura mais.
"Por sua causa, senhor professor, muitos brasileiros pensam que, sabendo um pouco de Brasiguês - ou seja, sabendo dizer você e obrigado -, já estão prontos para ir para qualquer país lusófono de férias ou por trabalho. Depois, já em Lisboa, eles dizem: Mas que língua estão a falar cá, parece-me que a gente errou de planeta, olha a onda, olha a onda, cuidado que o tubarão vai-te pegá. Adeus. Assinado: Luso-Argentino".
Que tal? Convenhamos que é um discurso delirante, uma mistura de ideias linguísticas estapafúrdias que não valem o trabalho de refutar. O gajo parece dominado por uma rede de preconceitos xenófobos e por um grande sentimento de inferioridade, mas escreve bem e tem um inegável senso de humor, o que não é pouca virtude, hoje em dia. Não costumo rir das loucuras alheias (já que com as minhas eu procuro conviver em certa paz), mas desta vez, confesso, achei tão divertido que resolvi publicar.