A lista das 10 mulheres mais bonitas do mundo, segundo a revista People de abril deste ano, conta com 10 norte-americanas. Esse tipo de levantamento tem algo de sexista porque os veículos de entretenimento raramente se preocupam em divulgar a lista das mulheres mais inteligentes do mundo. Mas também tem algo de etnocêntrico (por que apenas norte-americanas?). Lembrei dessa lista porque é uma ilustração pedestre de como ainda estão presentes as hierarquias culturais.
Costumamos enxergar a literatura e a arte como um meio de acessar uma certa epifania. Mas ler Shakespeare pode ser uma experiência tão ambivalente quanto ver a Mona Lisa ao vivo: dependendo de sua disposição para fazer ou não a lição de casa, você não sabe se está apenas satisfeito por desfrutar do fetiche da obra-prima ou se realmente entendeu a importância daquele trabalho.
Muitos elementos ajudam a definir a permanência de uma obra no cânone, ou seja, na lista imaginada de trabalhos fundamentais da humanidade. A explicação tem a ver com o texto e com o contexto. Embora ninguém negue a genialidade de Shakespeare, é difícil separar sua importância da ascensão do inglês como língua universal e da influência das instituições de ensino inglesas e norte-americanas.
Esse reforço do cânone leva a um círculo vicioso: os acadêmicos de literatura decidem pesquisar os autores já consagrados porque um dia serão requisitados a lecionar sobre eles. Os pais de seus futuros alunos nos colégios acham isso uma boa ideia, pois os exames de admissão na universidade onde querem que seus filhos um dia ingressem requisitam a leitura destas obras. Nesse cenário, qual é a possibilidade de as pessoas serem expostas a literaturas fora das normas?
Os conservadores têm medo que deixemos de ler grandes autores em favor de talentos menores, mas o que está em questão é justamente o conjunto de critérios que utilizamos para julgar o que é boa literatura. Ninguém substituirá Shakespeare. Mas, na lista de leituras obrigatórias, talvez um grande autor africano moderno possa entrar no lugar de outro escritor menos fundamental. Precisamos abrir espaço para o novo sem abandonar a tradição.
Se a literatura é um espelho do mundo, não pode representar apenas uma parte minoritária do globo. Precisamos conhecer os europeus, mas também nossos vizinhos latino-americanos, assim como os africanos, os asiáticos. Se estivermos interessados exclusivamente no velho cânone ocidental, nossa visão de mundo será alimentada com uma dieta não balanceada.