No jargão acadêmico, é comum denominar autores africanos, como os angolanos Pepetela e Ondjaki e o moçambicano Nelson Saúte, de "lusófonos", numa referência ao fato de que escrevem em português.
A categorização, contudo, não agrada muito aos próprios autores, para quem o idioma comum não deve representar uma visão em bloco diante da complexidade da literatura africana escrita em português.
- O problema com esse conceito é que chamam a nós de lusófonos, quando um brasileiro não chamaria João Ubaldo Ribeiro de lusófono. Somos autores diferentes, fazendo coisas diferentes - comentou Ondjaki, em entrevista coletiva realizada ontem.
Ondjaki, Saúte, Pepetela e a escritora de Guiné-Bissau Odete Semedo estão em Porto Alegre para um evento acadêmico, o encontro da Associação Internacional de Estudos Literário e Culturais Africanos (Afrolic). Aproveitam a passagem para realizar nesta sexta-feira, às 17h30min, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, um debate sobre a literatura africana na contemporaneidade, com mediação da professora Márcia Ivana de Lima e Silva. Pepetela, Saúte e Ondjaki são, os três, veteranos da Praça da Alfândega e têm boas expectativas para o encontro com seu público na Feira.
- Uma das coisas que torna as palestras que já dei aqui no Brasil interessantes é que normalmente quem assiste já leu os livros, ou está estudando na universidade. Então, as perguntas são sempre profundas, surpreendentes - elogiou Ondjaki, autor de Bom Dia Camaradas e que está lançando agora no Brasil seu romance Os Transparentes, laureado recentemente com o Prêmio Literário José Saramago.
O conhecimento prévio da plateia, de que falou Ondjaki, é reflexo da atenção que a literatura produzida em Angola e Moçambique vem recebendo dos departamentos de letras das universidades brasileiras.
- Vejo essa atenção como um resgate de uma dívida do Brasil. Ao longo de todo o século 20, em Angola e Moçambique sempre conhecemos e amamos muito a literatura brasileira. Acho interessante que agora haja aqui uma procura maior por nossa literatura de lá. Quando algo é unilateral, não há como dizer que há uma relação entre nossas culturas - comentou Nelson Saúte, autor de Rio dos Bons Sinais.
Pepetela, o mais velho dos três, veterano da guerra de libertação de Angola, acrescentou que a literatura brasileira foi sempre uma influência decisiva não apenas para sua própria prosa, mas para os de sua geração.
- É grande a dívida que minha geração tem com nomes como Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Erico Verissimo. Quando fui para Portugal estudar nos anos 1950, conhecia muito mais a literatura brasileira do que eles por lá - relembrou.
Apesar desses sinais de aproximação entre ambas as culturas, os três foram unânimes em concordar que ainda há muito a realizar para uma real integração entre o Brasil e as demais ex-colônias portuguesas, apesar da declarada simpatia mútua.
- É preciso um programa oficial, um diálogo entre nossos países para pegar esse manancial afetivo e transformar em uma política efetiva - disse Saúte.
- Há um órgão que deveria fazer isso, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), mas, até o momento, tudo o que ela tem feito é promover encontros de ministros, com pouco ou nenhum olhar para os aspectos artísticos e culturais _ comentou Pepetela.
Nesta sexta-feira, às 20h, ele autografa na Feira A Sul. O Sombreiro e as edições mais recentes no Brasil de suas obras As Aventuras de Ngunga, Mayombe e A Geração da Utopia, consideradas fundamentais para o entendimento de Angola e obras formadoras até para seus companheiros de mesa.
- Pepetela é nossa escola - elogiou Ondjaki.
- Minha descoberta da literatura se deu ouvindo uma adaptação radiofônica de Aventuras de Ngunga, em Moçambique - complementou Saúte.
A literatura africana por seus escritores: com Nelson Saúte, Pepetela, João Melo, Odete Semedo, Ondjaki e mediação de Laura Padilha. Ás 17h30min, no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Andradas, 1.223).
Os escritores autografam, às 20h, na Praça de Autógrafos