Wisnik encerrou sua aula-espetáculo sobre Paulo Leminski, na 29ª Feira do Livro de Canoas, cantando uma canção, dele e de Mautner, em que repercutiu, como um sol em meio à escuridão, a força de um verso definitivo: "A liberdade é a consciência do limite". Para além da exata adequação às manifestações de protesto das últimas semanas no Brasil, o que me bateu, mais uma vez, foi a incrível presença da música popular no imaginário do país, nas canções que embalaram e embalam momentos e fases da nossa vida cívica e pessoal. E me perguntei qual, entre tantas, escolheria como a minha canção preferida. Respondi no ato. Não foi Yesterday, nem Garota de Ipanema, nem Summertime, segundo me consta, as músicas mais gravadas do mundo.
Minha canção preferida, entre as milhares que já ouvi, e são milhares mesmo, é Sua Estupidez, "aquela canção do Roberto", como um dia a eternizou Caetano, parceria de Roberto com Erasmo, cuja gravação registrada ao vivo, no Fa-Tal - Gal a Todo Vapor, no já longínquo ano de 1971, roça o sublime. Gal Costa, voz e violão, nada mais. Nunca uma canção foi tão bem cantada em uma terra onde as grandes cantoras são muitas. Nunca uma canção popular ostentou sabedoria tão visceral sobre as eternas dores dos amores humanos. Achados certeiros como "Conte ao menos até três, se precisar conte outra vez" ainda me surpreendem. Adoro canções de amor arrepiantes, inteligentes e meio melosas. E me delicio até hoje com o manifesto furiosamente poético de Caetano na sua Canção de Protesto, que Zizi cantou lindamente anos atrás.
Com céu nublado ou sol inclemente, em dias pacíficos ou de protesto, não deixo de ouvir música sem parar. A música brasileira guarda surpresas escondidas, inesperadas, impactantes. Por caminhos diferentes, nos últimos dias chegaram às minhas mãos discos de Luiz Ferrar, Lineker e Fênix, três cantores praticamente desconhecidos - mas absurdamente bons. O primeiro é carioca, o segundo vive em Campinas, e o terceiro não sei onde mora. Herdeiros naturais de Ney Matogrosso, pelo timbre agudo e pelo ecletismo de suas escolhas, os três impregnam suas interpretações com uma dramaticidade rasgada. Escoram-se em regravações de grandes sucessos, é verdade, o que nem sempre funciona. Mas quando escolhem canções menos conhecidas, moldadas às suas vozes especiais, arrasam. Escrevo sobre esses caras ouvindo The Blue Room, na qual Madeleine Peyroux canta o clássico repertório de Ray Charles dos anos 1960. Peyroux é um oásis para ouvidos cansados, e seu disco é bonito demais.