A família de meu pai é descendente de italianos que emigraram para Maceió. Não, eles não estavam com o mapa de cabeça para baixo nem o navio naufragou na costa de Alagoas. Foi intencional. Talvez eles já soubessem que o clima do Rio Grande do Sul é europeu, a arquitetura é tropical e as praias são siberianas. Meu bisavô preferiu abrir uma loja de tecidos perto de um mar de águas quentes e comer bobó de camarão, enquanto seus conterrâneos vinham encarangar de frio em Ana Rech e comer polenta. Cada um, cada um.
Durante muitos anos, acreditei que meu sobrenome "Gerbase" era uma corruptela de "Gerbasi", que soa mais tipicamente italiano. O erro teria acontecido quando a família chegou a Maceió e registrou-se em um cartório tipicamente brasileiro. Mas nada disso é verdade. Em 2010, eu e meus irmãos estivemos em Vibonati, ao sul de Nápolis, onde vivem nossos parentes europeus, todos "Gerbases", e fomos advertidos a nem passar perto das casas dos "Gerbasis", esses grandes impostores.
Por conta do trajeto algo insólito dos Gerbases, meu pai pode ser considerado um ítalo-nordestino. Mas quis o destino que ele fosse estudar medicina no Rio de Janeiro, tornando-se um ítalo-carioca-alagoano, e que depois viesse clinicar em Porto Alegre, o que o transformou numa espécie de gaúcho transdisciplinar. O resto da família, contudo, ficou em Maceió. A história que vou contar é do irmão mais moço do meu pai, o tio Chico, que num belo verão, cansado das águas tépidas de Maceió, veio conhecer os encantos de Capão da Canoa.
Nossa casa não era muito grande, e o tio Chico foi dormir no quarto dos meus irmãos mais velhos, o Zeca e o Tonho. O tio Chico roncou como uma serra elétrica a noite toda, e meus irmãos não conseguiram dormir. Na manhã seguinte, contaram sua desventura para meu pai, que, lembrando de uma velha pílula de sabedoria da família Gerbase, gerada nas belas colinas de Vibonati, receitou: "A melhor maneira de combater o ronco é assobiar um pouco no ouvido no roncador."
Na noite seguinte, meus irmãos passaram a noite assobiando na orelha do tio Chico, e nada. Ele atravessou a madrugada roncando como um verdadeiro nordestino (ou seja, como um forte). Meus irmãos só conseguiram pegar no sono de manhã, quando o tio Chico levantou-se, bateu na porta do quarto de meu pai e disse: "José, estou muito preocupado com seus filhos. Eles passaram a noite inteira assobiando. Isso é um costume gaúcho, ou é uma doença que só tem aqui no sul? Valha-me Deus!".