Para mim, há um paradoxo do aspargo: como pode um alimento tão reverenciado, uma parte tão importante da mesa, da história e da cultura francesas, ser tratado com tanta indiferença nos Estados Unidos?
Refiro-me ao aspargo branco. Na França, na Alemanha e em outras regiões da Europa, não é o aspargo verde, mas o aspargo branco, gordo e sedoso, que anuncia a chegada da primavera. Nos Estados Unidos, em vez de ser considerado digno de uma celebração, o aspargo branco é só um legume entre outros. A grande maioria deles é mirrada, insípida e vem do Peru. Ele é tão insignificante que a Comissão Californiana do Aspargo e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos nem mesmo reúnem dados a respeito.
- Os americanos simplesmente não 'entendem' o aspargo branco - diz Steven Jenkins, gerente geral do Fairway Market em Nova York, que oferece o produto em sua loja no Upper West Side - Eles não o entendem como legume fresco, e muito menos em conserva, como ingrediente para salada. Não tenho nada a dizer, a não ser que perdemos dinheiro com ele.
Estou aqui para implorar que reconsideremos o aspargo.
A primeira vez que saí para colher aspargos brancos, recebi uma ferramenta de colheita que parecia uma grande chave de fenda com dois dentes, e a instrução de sair para o campo e sentir as "vibrações".
Eu queria muito acertar. Estava numa viagem de um só dia a uma fazenda de aspargos brancos perto de Paris, junto a outros jornalistas e gourmets. O nosso anfitrião era o chef Yannick Alleno, detentor de três estrelas no guia Michelin (e uma pesquisa recente na internet o havia indicado como "o chef mais sexy" da França). Nós nos espalhamos por um campo com pequenos montes arenosos, que escondiam milhares de preciosos talos brancos.
Enfiei essa ferramenta conhecida como faca de aspargo dentro da terra até que ela atingiu uma coisa dura. Lutei para tirá-la dali. O talo quebrou, fazendo um estalido, ainda dentro da terra; isso aconteceu muitas vezes.
- Para mim esse aspargo não vibra - eu disse a Alleno, devolvendo a minha ferramenta.
O resultado do último inverno francês, frio e úmido, foi que a variedade especial branca do aspargo chegou atrasada aos mercados de Paris esta primavera. Estava bem caro, cerca de US$ 11 por meio quilo. Como ele teve de ser trazido do departamento de Landes, bem mais a sudoeste (pois o aspargo do Loire ainda não estava maduro), estava insípido e enrugado, um claro sinal de que não estava tão fresco quanto deveria.
Assim, saí outra vez para colher meus próprios aspargos, agora, numa área de Landes mais próxima da Costa Atlântica e da fronteira com a Espanha.
Seu solo fofo, arenoso e rico em minerais e o clima morno na primavera oferecem aspargos brancos que, desde 2005, lhe conferiram o status de "indicação geográfica protegida".
Nesta viagem, o meu anfitrião foi Jean Coussau, da terceira geração de uma família de chefs de cozinha e proprietário do Relais de la Poste, restaurante e hotel em Magescq que tem duas estrelas no guia Michelin.
- Coletar os primeiros aspargos brancos é um ritual - diz Coussau, que cresceu aqui - É a primeira cor de primavera que chega à mesa, junto aos cogumelos e o cordeiro. Quando você colhe um aspargo branco, ele tem um toque agradável e é bonito; é um grande prazer sensorial trabalhar com ele.
Coussau me explicou que o aspargo branco é vulnerável e precisa ser protegido do sol. Ele é puro. Diferentemente de outros legumes e verduras como a endívia ou os rabanetes, que podem ser feitos na brasa, o melhor modo de preparar o aspargo é cozinhá-lo até que fique macio.
Ele nunca é comido sozinho, mas sempre acompanhado de um molho (os clássicos franceses são a sauce hollandaise no norte, e a vinagrete ao sul). E ele é comido em abundância antes de junho, quando desaparece.
A colheita faz parte de sua mística, porque o aspargo tem de ser retirado enquanto ainda não saiu da terra. Assim que suas pontas encaracoladas são tocadas pelo sol, elas produzem clorofila e se colorem - de um marfim perolado até chegar aos rosas escuros, roxos e verdes. Quanto mais se colorem, mais sabor adquirem, ficando mais ácidos e menos adocicados.
Coussau me levou à fazenda de Francis e Michel Lalanne, irmãos que cultivam aspargos brancos em 7,7 dos 121 hectares da propriedade (o resto dela é usado para milho, destinado à ração animal).
Três trabalhadores equatorianos se moviam ágil e estrategicamente num campo de montículos recheados de aspargos. Um aparelho alemão de quatro rodas segurava e levantava os pesados plásticos negros que protegiam os montículos da luz do sol.
Cada talo era extraído da areia à mão. Aprendi que o truque para uma colheita bem sucedida é se debruçar e enfiar a longa ferramenta no solo de lado, e não de cima. Então você sacode a faca até encontrar o centro do talo e o puxa para cima de modo delicado, mas firme. A tarefa exige força (os talos podem chegar a uns quatro centímetros de diâmetro) e equilíbrio. Parece, portanto, que antes eu estava sendo um tanto brusca na minha abordagem.
O aspargo pode romper a superfície e brotar mais de cinco centímetros de um dia para o outro. Os ceifeiros tinham de lidar com centenas de talos que haviam ousado emergir do chão. Eles aparavam essas pontas e as deixavam de lado.
- Elas não estavam aí ontem - diz Lalanne - Choveu demais, não podíamos trabalhar no campo, e um trator quebrou. É uma corrida contra o relógio, uma guerra.
De volta a Magescq, com um tesouro de aspargos brancos que ele prepararia para o almoço, Coussau me mostrou o Relais de la Post, um refúgio para os fins de semana num pinheiral, com uma colmeia, um pequeno vinhedo (a cave só tem quatro barris de vinho) e um pomar (que fornece maçãs, cerejas, figos, peras, ameixas, pêssegos e castanhas).
Na cozinha, a equipe descascou a casca dura, fibrosa e amarga de cada caule, indo da ponta até a base.
Nesse almoço, Coussau estava orgulhosamente servindo o raro salmão selvagem - grelhado - e a lampreia do mar com alho-poró. Eu estava mais interessada nos dois pratos que levavam os aspargos: as pontas grelhadas com um ovo pochê frito em imersão por vinte segundos e cobertas de cogumelos em molho de vinho do Porto, e barquinhos de aspargo recheados de carne de caranguejo com coulis de ervilhas.
Coussau me mandou de volta a Paris com duas sacolas de aspargo branco. Dei alguns a Ezzdine Bem Abdollah, o quitandeiro da Rue des Martyrs, em meu bairro, que prometeu prepará-los para a sua mulher. Outros foram para os amigos do Le Pantruche, o bistrô mais bacana do bairro, esperando consolidar minha relação com eles da próxima vez que quiser uma mesa. E levei o resto ao Restaurant Akrame, próximo ao Arco do Triunfo, detentor de uma estrela no Michelin.
Akrame Benallal, 31, chef da casa, ficou tão entusiasmado que criou um prato na minha frente. Ele fatiou alguns dos aspargos crus em tiras finas e moles como macarrão cabelo de anjo e os acompanhou de uma vinagrete feita de seu próprio óleo apimentado da Ligúria. Assou o resto em pacotes de papel alumínio feitos de improviso, e os serviu com molho de caju.
- Nunca tinha feito isso antes - confessou - Então vamos tentar não racionalizar muito. Mas sei para onde vou - como a vida. E agora temos uma história para contar, não é?
Exatamente.